Abuso em Guantánamo não é novidade para advogados
Brasília,17/10/2004 - Ao tomar conhecimento hoje (17) das denúncias feitas pelo jornal New York Times de constantes abusos a prisioneiros na base naval americana de Guantánamo, em Cuba, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, lembrou que denúncias semelhantes foram feitas, no início deste mês, durante reunião na sede da The Law Society of England and Wales, em Londres. Ele destacou a relevância das informações transmitidas por presidentes de Associações de Advogados de vários países . Segundo Busato, que participou dos debates, foram relatos pertinentes de graves violações a direitos humanos e ao acesso à Justiça em vários países. “Concluímos que a guerra contra o terrorismo tem provocado detenções sem julgamentos e inúmeras torturas, tudo em nome de uma segurança insana contra o terrorismo”.
A advogada inglesa Louise Christian, designada pela Law Society para atender aos 13 ingleses detidos em Guantánamo, abriu as discussões no painel dos presidentes de Associações de Advogados. Ela descreveu a situação atípica que existe na baía de Guantánamo, existindo, hoje, sete paquistaneses detidos sem julgamento sob a justificativa da guerra ao terrorismo. Louise Christian classificou Guantánamo como “a ponta de um iceberg”, onde imperam práticas de tortura, rituais de humilhação e onde os detentos vivem nus e sem acesso ao banheiro, tendo que evacuar no chão e dormir ao lado de excrementos.
“Os depoimentos dos presos são retirados neste clima, ou seja, as confissões são forjadas e os julgamentos são muito piores que os ocorridos em Nuremberg. Não há nada semelhante na história”, afirmou Busato, com base no relato de Louise Christian. Ainda segundo as informações da advogada inglesa, muitas pessoas estão presas sem identidade e as Cortes são militares, de caráter meramente administrativo, onde o direito de defesa é uma figura meramente formal. A Law Society tem, inclusive, conclamado os advogados a não participarem desses julgamentos por considerá-los uma “verdadeira farsa”.
Tem havido violações aos direitos humanos também na Europa, ainda conforme o relato da advogada inglesa Louise Christian. Segundo ela, jovens muçulmanos são freqüentemente detidos em aeroportos, existe um nítido preconceito racial e religioso contra eles, as casas dos muçulmanos são invadidas sem qualquer acusação e o dinheiro que muitos economizam para visitar Meca é confiscado nos aeroportos da Europa. “Uma coisa vergonhosa para países que se dizem os mais adiantados do mundo”, segundo Louise Christian.
Em seguida, falaram o presidente da Palestina Bar Association, Haten Salahltin, que ressaltou a existência do terrorismo estatal e de advogados sendo presos e torturados, e a representante da Israel Bar Association, Oma Lin, que informou aos presidentes de Associações de Advogados que a Corte Suprema de Israel autoriza o uso da tortura quando há ameaça de bomba suicida. Oma Lin pediu a ajuda de organizações internacionais e criticou a ausência de diálogo entre as associações de advogados da Palestina e de Israel.
Também participou do painel a advogada do Nepal, Mandira Sharma, que relatou o conflito interno existente no país há oito anos. Devido a este conflito, dez mil pessoas já foram mortas, falta Justiça e a confusão social é generalizada. Segundo ela, desde o atentado de 11 de setembro nos EUA, a insurreição interna que existia no Nepal transformou-se em terrorismo internacional. Ela relata que foi declarado estado de emergência e os direitos individuais, suspensos. “Ela disse que há tortura nas prisões e estupros. Os advogados não têm acesso às prisões e quando decidem intervir também são presos e torturados”, afirmou o presidente da OAB.
A participação mais destacada por Roberto Busato foi a do representante da American Bar Association (ABA), Robert Gray Junior, que encerrou as discussões em Londres. Segundo ele, a ABA defende que o Congresso adote muita cautela na apreciação de medidas do governo norte-americano na luta contra o terrorismo, sob pena de tornar-se antidemocrata. Ele relatou também que, após o atentado de 11 de setembro, foram editadas inúmeras leis às quais, segundo a ABA, não atendem à tradição democrática dos Estados Unidos.
A ABA declarou-se contrária ao código militar de Justiça em vigor naquele País e seu representante afirmou que, no Iraque, os americanos vêm promovendo torturas aos mesmos níveis das que existiam quando Sadan Hussein presidia o país. A ABA propôs a formação de uma comissão independente para sindicância do que está acontecendo no Iraque.
Robert Gray Junior informou, ainda, que em breve será feito ao presidente dos Estados Unidos e aos presidentes de Associações de Advogados do mundo um relato da situação atual na baía de Guantánamo. “Eles propõem que exista um movimento mundial pela preservação do Estado Democrático de Direito e terminou a sua fala com a célebre frase de Shakespeare: se quiser ser rei e vencer, mate todos os advogados”, afirmou Busato. “Foi uma bela posição de independência tomada pela ABA em relação a esse caos que impera sob o mote de luta contra o terrorismo internacional".