Por um mundo plural e tolerante, artigo do Presidente da OAB Nacional

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016 às 02:59

O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto nos chama a rememorar um trágico momento da história da humanidade: o Holocausto. Este não é e nem nunca será apenas um momento histórico, pois convoca-nos, diante das atrocidades por ele perpetradas, a um dever de memória, que não deve ser reduzido a uma simples lembrança. Pois, "o povo que não conhece sua história, costuma repeti-la como farsa ou como tragédia".

O dia 27 de janeiro é uma data criada em 2005 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, pois marca o dia em que tropas soviéticas libertaram o campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia, em 27 de janeiro de 1945. Nesta data, instituiu-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, que expressa à firme determinação de impedir que a intolerância e a injustiça se banalizem no caminho da humanidade. A memória deve ser vista como estratégia contra as possíveis violações de Direitos Humanos.

O povo judeu precisa ser aplaudido pela sua resistência cultural e religiosa diante de tanta opressão e violência sofrida neste período histórico. O Holocausto foi tão aterrorizante que a partir dele que se instituiu a tortura como método de desumanização em escala industrial, atos que foram utilizados por diversos governos e regimes em várias partes do mundo depois da Segunda Guerra Mundial.

Esse colapso dos valores e dos direitos humanos não é apenas a história de um povo ou de uma região: é a nossa história comum. A transmissão dessa narrativa reflete sobre os mecanismos de exclusão e violência que encontramos em certas regiões do mundo. Este episódio nos lembra que o fanatismo tem como alvo tanto a destruição física de pessoas como a eliminação de sua cultura e de seu patrimônio. Força a abrirmos nossos olhos para a realidade atual de intolerância e para combatê-la de forma incansável.

Por isso, esta solenidade representa um momento importante de reflexão sobre este capítulo nefasto da história, e de ação para fortalecer a ideia da democracia no mundo, de respeito às diferenças, para impedir que novos episódios como este aconteçam.

É importante que se reconheça as ações realizadas pela Confederação Israelita do Brasil que tem sido protagonista na luta contra o anti-semitismo, a intolerância e a discriminação, sendo um ator social de referência na salvaguarda dos princípios como paz, democracia, justiça social e diálogo inter-religioso.

Neste momento, aproveito para fortalecer os laços e dizer à CONIB que a Ordem dos Advogados do Brasil é mais uma aliada na batalha pelo pluralismo, o direito à diferença e a luta contra a intolerância e o autoritarismo.

Nesta data, além de homenagear os seis milhões de judeus assassinados, devemos lembrar especialmente de Ben Abraham, presidente da Associação Brasileira dos Sobreviventes do Nazismo e Aleksander Laks, presidente da Associação Brasileira dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista, que participou com a sua história nos livros "O Sobrevivente – memórias de um brasileiro que escapou de Auschwitz" de Tova Sender  e "Mengele me Condenou a Viver", de Samanta Obadia. Ambos faleceram em 2015.               

Ben Abraham depois de ficar confinado no Gueto de Lodz, onde perdeu o pai, e passar por Auschwitz, onde perdeu a mãe, Abraham foi enviado para os campos de Brauschweig, Watenstadt e Ravensbruck. Na noite de  2 de maio de 1945 foi libertado pesando 28 quilos, com tuberculose nos dois pulmões, escorbuto e disenteria com sangue. Dentre 200 parentes seus apenas ele e um primo sobreviveram. Após a queda do nazismo, o jornalista prometeu a si mesmo como objetivo de vida contar à humanidade o “capítulo de perseguições, atrocidades e matanças” instituído por Adolf Hitler.

Aleksander, com aproximadamente 16 anos, viu sua mãe pela última vez ao descer do trem que os levou para Auschwitz, lugar onde viveu os momentos mais torturantes da sua vida. Depois de ver sua mãe caminhar para a câmara incineradora, assistiu a morte de seu pai que não resistiu às semanas de caminhada na chamada "Marcha da Morte", de mais de 500 quilômetros, entre vários campos de concentração. Dos 600 prisioneiros que partiram de Auschwitz, apenas 50 sobreviveram. Aleksander foi salvo pelas tropas que interceptaram o trem que o levava de um campo de concentração para outro.

Rememorar tais fatos, tão marcantes na história, é uma forma de manifestar contra todos os atos de violência e subjugação humana que o nazismo e o anti-semitismo fizeram contra os judeus. O silêncio demonstraria pactuação com as atrocidades que foram cometidas as vítimas do Holocausto. A lembrança histórica do genocídio nazista está ligada à promoção dos direitos humanos e ao combate à intolerância.

Devemos lembrar para não repetir. A memória constitui um campo privilegiado da política e em torno dela se desenvolve surdamente um embate nem sempre explicitado. Por isso, ir ao passado é importante, para que o exercício de cidadania esteja ancorado em uma memória capaz de afirmar a diversidade e o conflito com dimensões verdadeiramente constitutivas da história mundial.

O campo da história é um dos mais sólidos alicerces da dominação e do poder. A possibilidade de construção fechada de uma versão unívoca do passado repousa no poder de decidir o que será ou não preservado.

O resgate dessa história constitui um compromisso com os judeus, com toda a humanidade; configura a efetivação dos Direitos Humanos disciplinados nos mais diversos diplomas internacionais e dos direitos fundamentais da liberdade e da igualdade, consagrados na Constituição Federal de 1988.

É necessário que se lembre dos atos de violência sofridos por esses grupos para afastar qualquer tipo de agressão e se desfaça os atos de intolerância, possibilitando que possam usufruir integralmente dos direitos de cidadania e sejam reconhecidos com igual respeito e consideração.    

A OAB Nacional tem lutado intensamente contra todos os atos de intolerância, discriminação e violência. E, batalha para que todos tenham solidariedade e coragem para se manifestarem contra as práticas de barbárie, incentivando o esforço conjunto para aprimorar o convívio, o diálogo e o respeito a todos os seres humanos, independente da sua religião, classe social, orientação sexual.  

Lutamos contra todas as formas de tratamento desumano, em detrimento do princípio da dignidade da pessoa humana, pela inclusão no direito e pelo direito de todos e todas, temos que viver o humanismo ético voltado à realização do ser humano integral.

A dignidade da pessoa humana é a prova de que o ser humano é um ser de razão compelido ao outro pelo sentimento, o de fraternidade, o qual, se às vezes se ensaia solapar pelo interesse de um ou outro ganho, nem por isso destrói a certeza de que o centro de tudo ainda é a esperança de que a transcendência do homem faz-se no coração do outro.

Toda forma de aviltamento ou de degradação do ser humano é injusta. Toda injustiça é indigna e, sendo assim, desumana. O tratamento justo e digno conforta; a injustiça, como a indignidade, transtorna o ser humano e o atinge em seu equilíbrio emocional; a reação contra uma ou outra é sempre de revolta, desespero ou amargura.

A justiça humana, aquela que se manifesta no sistema de Direito e por ele se dá à concretude, emana e se fundamenta na dignidade da pessoa humana. Essa não se funda naquela, antes, é dela fundante. Dignidade é o pressuposto da ideia de justiça humana, porque ela é que dita a condição superior do homem como ser de razão e sentimento.

Por isso é que a dignidade humana independe de merecimento pessoal ou social, do seu credo ou cor. Não se há de ter de fazer por merecê-la, pois ela é inerente à vida e, nessa contingência, é um direito pré-estatal.

Toda pessoa humana é digna. Essa singularidade fundamental e insubstituível é ínsita à condição humana do ser humano, qualifica-o nessa categoria e o põe acima de qualquer indagação.

Assim, recordar e honrar as vítimas do Holocausto não é apenas um dever moral iniludível. É também uma arma poderosa na luta, que deve ser de todos, contra o ressurgimento das condições que deram origem ao Holocausto, naquele que foi um dos períodos mais sombrios da história da humanidade.

A intolerância, o autoritarismo e os extremismos sempre caminham juntos e produzem crimes contra a humanidade. O Brasil como uma Nação promissora deve assentar-se sobre os valores da pluralidade, da democracia e do respeito ao ser humano em sua integralidade.    

Portanto, a dignidade humana deve ser alicerce e fundamento de qualquer sociedade. E, assim, resgatar a memória desse período não é apenas um exercício de história. Significa olharmos não só para o nosso passado, mas para o nosso presente, enxergando as opressões e discriminações ainda existentes, atuando de modo a transformar o nosso futuro em uma nação verdadeiramente igualitária, justa, plural e mais humana.