Paulo Bonavides: “Congresso não tem sido fiel à Constituição”
Brasília, 04/10/2004 - O jurista e professor Paulo Bonavides, um dos mais respeitados no meio jurídico nacional e internacional, afirmou hoje (04), na véspera da comemoração dos 16 anos da Constituição Federal, que a Lei Maior não está em crise pelos mecanismos populares de sua expressão, mas pelos mecanismos representativos no País. “O Congresso Nacional não tem sido um poder muito fiel à Constituição, ao que se esperava na execução do grande compromisso político, que é a Lei Fundamental”, afirmou Bonavides. “Eu vejo que o sentido das aspirações populares é para instalarmos um governo que, cada vez mais, tenha compromisso com a legitimidade, com o povo e com as raízes democráticas que fizeram a Constituição vingar desde 1988”.
Durante entrevista sobre os 16 anos da Lei Maior, o jurista afirmou que, ao mesmo tempo em que enxerga uma crise no sistema representativo brasileiro, vê a possibilidade de uma grande abertura democrática. Bonavides rechaçou a criação de uma nova Constituinte, ao contrário, destacou a importância de se manter uma linha de fidelidade à Constituição de 1988.
“Ela tem todos os meios e instrumentos para a sua melhoria qualitativa, do ponto de vista da aplicabilidade. Ela tem os meios democráticos de expansão da participação e da presença popular”, afirmou Bonavides. “Ela tem uma vertente para a democracia direta e essa vertente tem sido muito pouco explorada e utilizada”.
Segue a íntegra da entrevista concedida pelo jurista Paulo Bonavides:
P - A Constituição Federal está completando dezesseis anos. O que foi feito nesse período com a Lei Maior, como o senhor enxerga as mudanças que foram promovidas?
R - Em primeiro lugar, eu acho que o dever patriótico de todo brasileiro é sustentar a sua Constituição porque, ao sustentá-la, ele está preservando a liberdade, a democracia e o Estado de Direito, que tem a sua evolução ditada pela observância da Lei Fundamental. A Constituição é o pacto social dos brasileiros e, ao mesmo passo, é um instrumento de progressão para a democracia participativa. Eu vejo que o sentido das aspirações populares é para instalarmos um governo que, cada vez mais, tenha compromisso com a legitimidade, com o povo e com as raízes democráticas que fizeram a Constituição vingar desde 1988, sem embargo das dificuldades enormes que têm, até certo ponto, atropelado a marcha evolutiva da Constituição em sua aplicação. A Constituição foi muito pormenorizada em seu texto quanto às matérias versadas e isso foi devido, em grande parte, à necessidade de estabelecer garantias em relação ao futuro da própria Lei Fundamental. Nós havíamos acabado de sair de um período de vinte anos, de duas décadas de ditadura e negação dos princípios republicanos e fundamentais. Havia, por conseguinte, a necessidade do povo e da nação se acolherem sobre a sombra da Constituição.
P - Como o senhor enxerga a Constituição hoje?
R - Essa Constituição tem sido muito combatida e seus inimigos estão sempre arregimentados para fazê-la malograr. A meu ver, nunca foi tão necessário organizar a resistência do povo brasileiro na direção da defesa da própria Constituição, que é realmente o único caminho para o futuro do País. Fora dela, será o desastre institucional, o retorno a um sistema repulsado no passado, que continua sendo repulsado no presente e que, esperamos, nunca tornará a flagelar este país rumo ao sistema de arbítrio, o sistema de governo sem responsabilidade pública dos governantes.
P - O senhor está satisfeito? Acha que devemos ter uma nova Constituinte? Devemos trabalhar com a Constituição que está aí?
R - Acho que devemos manter uma linha de fidelidade a esta Constituição. Ela tem todos os meios e instrumentos para a sua melhoria qualitativa, do ponto de vista da aplicabilidade. Ela tem os meios democráticos de expansão da participação e da presença popular. Ela tem uma vertente para a democracia direta e essa vertente tem sido muito pouco explorada e utilizada. O que está em crise, portanto, não é a Constituição pelos mecanismos populares de sua expressão, mas, precisamente, pelos mecanismos representativos, o corpo parlamentar. Em suma, o Congresso Nacional não tem sido um poder muito fiel à Constituição, ao que se esperava na execução do grande compromisso político, que é a Lei Fundamental. Eu vejo, portanto, uma crise no sistema representativo, mas, ao mesmo tempo, a possibilidade de uma grande abertura democrática, se fizermos a prevalência do artigo 1º da Constituição, combinado com os demais artigos em que a intervenção popular direta é prevista. Essa última eleição foi um certificado, pela parte técnica e instantaneidade com que se chegou aos resultados devido à modernização da informática, uma prova cabal de que podemos realizar muito neste País no que se refere à concretização da democracia direta, da democracia participativa, que nos parece a mais eficaz e mais legítima.