Constituição: 16 anos, 44 emendas e à espera de avanços

segunda-feira, 04 de outubro de 2004 às 04:24

Brasília, 04/10/2004 - A Constituição brasileira completa amanhã (05) 16 anos com uma marca significativa: já foi emendada pelo Congresso Nacional 44 vezes em sua curta existência. Promulgada em 5 de outubro de 1988 pelo presidente da Assembléia Nacional Constituinte eleita em 1986 e que tomou posse em 1987, deputado Ulysses Guimarães, a chamada “Constituição-Cidadã” marcou uma ruptura com a ordem jurídica do regime ditatorial instaurado em 1964 - o chamado entulho autoritário - e acenou com diversos avanços na vida político-institucional e socioeconômica do País, na opinião de diversos constitucionalistas. Mas eles são unânimes em observar que agora é preciso fazer com que muitos dos avanços nela previstos saiam do papel para a prática.

“Apesar de ter sido violada quase cinqüenta vezes, essa adolescente merece de nós todo o respeito, pois se não fosse ela não teríamos o Estado democrático de direito nem a democracia”, observou o jurista Paulo Lopo Saraiva, membro da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. “A Constituição de 88 abriu espaço para todas as pessoas, trouxe novos direitos - como o do Consumidor, do Idoso, das Crianças e Adolescentes, os direitos fundamentais - e por isso temos que preservá-la”.

Lopo Saraiva considerou ainda que a grande luta da sociedade brasileira atualmente, em relação à sua Constituição, não é “criticá-la nem emendá-la, mas concretizá-la”. Ele acrescentou: “Quanto mais nós dermos eficácia e eficiência ao seu texto, mais ela produzirá efeitos positivos para a sociedade”. Para o jurista, o Brasil precisa agora, na seara constitucional, caminhar no sentido de aliar a democracia representativa com a democracia participativa.

“Conforme previsto no artigo 14 da Constituição, é preciso lutar para que a soberania popular seja exercitada também pelo plebiscito, o referendo e a iniciativa popular”, afirmou Paulo Lopo Saraiva.

Na mesma linha, o jurista Fábio Konder Comparato, presidente da comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB, entende que a promulgação da Constituição Federal de outubro de 1988 “representou uma primeira etapa no sentido da democratização do regime político brasileiro, ou seja, com o estabelecimento de uma soberania popular efetiva e não meramente simbólica e com o respeito integral aos direitos humanos”.

Mas Comparato cobra hoje “segunda etapa” na efetivação da Constituição para a sociedade brasileira. “Agora, passados 16 anos da promulgação da Constituição cabe-nos mais do que nunca iniciar uma caminhada em direção à segunda etapa que é o reforço dos direitos dos cidadãos para controle dos agentes públicos e também do sentido de se estabelecer um verdadeiro pacto de responsabilidade social, de modo que em todas as unidades da Federação os direitos humanos de caráter econômico-social sejam postos acima das exigências de cumprimento das normas de responsabilidade fiscal”, sustentou o jurista, que é professor de Direito Constitucional da Universdidade de São Paulo (USP).

“O Homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania”. Assim o deputado Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte de 87/88, iniciou sua apresentação da Constituição ao promulgá-la em 5 de outubro de 1988.

Embora sejam comuns as críticas sobre a falta de efetividade de diversos dispositivos da Constituição, são reconhecidos os avanços inseridos na Constituição para a democracia e a cidadania brasileiras, então saindo das trevas de 21 anos de ditadura militar. Foram muitas as novidades e pontos importantes introduzidos pela Constituição, dos quais pondem ser destacados:

Garantia dos direitos humanos contra a arbitrariedade do Estado - Este é um ponto que muitos brasileiros ignoram: o Estado tem obrigações para com o cidadão, e também possui limites. Quem respeita a lei jamais poderá ser coagido pelo governo. O Estado não pode fazer o que quiser com o cidadão. O Estado também é obrigado a seguir a lei.

A pena de morte e a tortura são proibidos pela Constituição - Se a polícia pudesse prender, torturar e matar quem ela quisesse, para que serviriam juízes e tribunais? Para que serviriam as faculdades de Direito? A questão é simples: a lei ou o faroeste. A defesa desses direitos elementares para todo mundo é a garantia de que o Estado está sob controle do cidadão. A defesa dos direitos humanos para todas as pessoas protege os inocentes contra as arbitrariedades do Estado.

Direitos do cidadão - Expressa a idéia de que todos os cidadãos têm direitos que devem ser respeitados pelo Estado: o direito de liberdade individual, o direito de poder interferir no governo, direito à segurança, à educação, à saúde, à habitação, ao emprego. Está tudo isso na Constituição de 1988, mas é preciso lutar para colocar todos os princípios da cidadania em prática; deve-se cobrar do Estado a prestação desses serviços. Esta é a grande idéia democrática de nossos tempos: a sociedade civil se organiza para lutar e conseguir o respeito a seus direitos de cidadania.

Garantias constitucionais - A Constituição estabelece vários dispositivos que defendem o cidadão quando seus direitos são negados. Os principais são:

a) Habeas-corpus. Se o cidadão foi preso ou vai ser preso injustamente (não desrespeitou a lei), seu advogado pode pedir ao juiz um habeas corpus para livrá-lo da polícia imediatamente.

b) Habeas-data. É o direito de todo o cidadão de saber o que está na sua ficha em posse da polícia ou de um órgão de segurança do governo.

c) Mandado de Segurança. Protege o cidadão quando seus direitos estão prestes a ser desrespeitados por uma instituição. Agora, existe também o mandado de segurança coletivo, isto é, impetrado por sindicatos e associações da sociedade civil.

d) Mandado de injunção. Assegura o exercício de um direito garantido pela Constituição.

e) Ação popular. Qualquer cidadão brasileiro pode impetrar uma ação contra um órgão público e também contra as pessoas que se beneficiarem de uma atitude inconveniente do governo. A ação popular pode ser feita quando o cidadão considera que a sociedade está sendo ameaçada por corrupção no governo, ou por desrespeito ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural.

Igualdade de direitos fundamentais entre homens e mulheres - Agora, “chefe de família” é o casal. Trabalhos iguais, salários iguais, sem discriminação Vitória contra o machismo.

Racismo é crime - Antes era apenas contravenção (a exemplo de jogar no bicho). Agora, dá cadeia a polícia que o cara vai preso na hora. Sem direito a pagar fiança.

Fim da censura - Acabou com a fase em que um técnico do governo, ou censor, decidia o que a sociedade podia ler, os filmes que podia assistir ou as músicas que estavam liberadasd para tocar, por exempo. Há 16 anos, o direito à manifesteação é livre. O cidadão pode defender as idéias, mas não o desrespeito à lei,

Direitos trabalhistas - A jornada de trabalho semanal máxima passou a ser de 44 horas (era de 48). Além disso, o pagamento da hora-extra é obrigatório e vale 50% mais do que a hora comum de trabalho. Nas férias, o trabalhador recebe o salário normal, acrescido de um terço. Se o trabalhador for despedido, ele recebe uma indenização de 40% do valor de seu FGTS. A mulher que tenha um filho ganhou o direito de ficar em casa, recebendo salário do patrão. É a licença-gestante, que vale por 120 dias (antes, eram só 89). 0 trabalhador rural passou a ter os mesmos direitos trabalhistas do trabalhador urbano, incluindo carteira assinada, 13° salário, férias remuneradas e aposentadoria.

Direitos sindicais - O Estado foi proibido de intervir nos sindicatos. Mas continuou a unicidade sindical, ou seja, em cada região só pode existir um único sindicato por categoria. Também foi mantido o imposto sindical. O direito de greve passou a ser irrestrito, mas nos setores essenciais (hospitais, transportes, energia elétrica etc.) é preciso avisar com antecedência e manter um funcionamento mínimo.

Novos direitos políticos - Agora, pessoas com 16 anos para cima e analfabetos já podem votar. Antes, eram excluídos. Para ser candidato, é preciso ter pelo menos 18 e não ser analfabeto.

Eleições em dois turnos - Para presidente, governador e prefeito de cidades com mais de 200 mil eleitores, a eleição poderá ser em dois turnos. Caso nenhum candidato tenha superado 50% do total de votos válidos (não contam os brancos e nulos), haverá um segundo turno com a disputa de somente os dois mais votados no primeiro turno. O voto, claro, é direto e secreto.

Mandatos - Originalmente, o mandato do presidente era de 5 anos, o que só vigorou para o presidente José Sarney, sendo posteriormente diminuído para 4 anos. Os deputados, governadores e prefeitos são eleitos por um período de 4 anos. Os senadores, de 8 em 8 anos.

Poderes do Congresso Nacional - Agora, o Congresso tem várias atribuições que não possuía no tempo do regime militar. Na verdade, o presidente da República (chefe do Poder Executivo) tem de governar negociando com o Congresso. O Congresso Nacional se dedica fundamentalmente a fazer leis. Mas ele também atua como fiscal da sociedade, por meio das CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito). O Congresso também ganhou o direito de aprovar ou vetar o Orçamento Geral da União. Ou seja, o presidente da República apresenta um plano de gastos para o ano que vem e que deve ser aprovado por deputados e senadores. O Congresso Nacional também pode reformar a Constituição, mas para isso há necessidade de três quintos de votos do total de deputados e senadores.

Medida provisória - No tempo da ditadura, existia o decreto-lei. O presidente decretava uma lei e ela passava a valer imediatamente. Se depois de um mês o Congresso não se pronunciasse contra o decreto (poderia estar fechado, por exemplo), o decreto passava automaticamente a valer como lei ordinária (comum). Isso acabou. Agora, existe a medida provisória.