Correio Braziliense: O STF e o financiamento de campanha

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013 às 12:10

Brasília - O jornal "Correio Braziliense" publicou nesta quarta-feira (18) artigo de Aldo Arantes, secretário da Comissão Especial de Mobilização para a Reforma Política da OAB. Leia abaixo a íntegra do artigo.

O STF e o financiamento de campanha

por Aldo Arantes

Os quatro votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a favor da declaração de inconstitucionalidade do financiamento de campanha por empresas, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), desencadeou forte reação dos setores conservadores e da grande mídia. Surgiram argumentos contra inclusive o de que se trata de uma manobra da OAB e do PT para este se manter no poder. Mas não há nenhum argumento defendendo a constitucionalidade dessa forma de financiamento. E é da inconstitucionalidade que trata a ação da OAB, não de reforma política. É, portanto, matéria de competência do STF.

A OAB fundamentou sua Ação Direta de Inconstitucionalidade no argumento de que a Constituição brasileira estabelece, no artigo 1º, que o “poder emana do povo”. Não sendo povo, a empresa não pode financiar o processo político, porque isso conduz uma disputa altamente desigual entre os que têm muitos recursos e os que não têm. Tal fato adultera a vontade da maioria, o exercício da soberania popular.

A influência do financiamento de empregas nas eleições acarreta profunda desigualdade na disputa eleitoral. Ganha as opções, no geral, quem tem mais dinheiro. Influência do capital no processo eleitoral fica evidenciada diante do fato de que o aumento brutal dos custos de campanha é acompanhado de igual crescimento do financiamento por empresas.


O financiamento de campanhas cresceu assustadoramente: de R$ 827 milhões em 2002 para R$ 4,9 bilhões em 2010. E o financiamento por empresas, que em 2008 representou 86% do total, em 2012 representou 95,1%. Isso porque a legislação permite que empresas contribuam com 2% dos seus rendimentos brutos no ano anterior à eleição. Assim, o Grupo Odebrecht poderia contribuir com R$ 1 bilhão e 688 milhões em 2013, já que obteve rendimentos brutos de R$ 84,431 bilhões em 2012.


A OAB questionou, também, a desigualdade na disputa eleitoral produzida pelo financiamento de pessoas físicas, pois a lei permite doações de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição. Assim, o banqueiro Jorge Lemann, que em 2013 teve um rendimento de R$ 13 bilhões e 336 milhões, poderá contribuir com R$ 1 bilhão e 336 milhões, gerando profunda desigualdade na disputa eleitoral.

O financiamento de empresas resulta em que a maioria da sociedade, composta de trabalhadores e classe média, é transformada em minoria no Congresso. Tal fato é uma evidente subversão da democracia e do conceito de que o poder emana do povo.

A proibição do financiamento de empresas não é uma criação da OAB e dos movimentos sociais. Existem em mais de 36 países, como Canadá, México, Bélgica, Grécia, Israel, França e diversos outros. A crítica de que a iniciativa tem por objetivo a manutenção do PT no poder é isenta de seriedade, pura demagogia para confundir a opinião pública.

A iniciativa da ADI é da OAB. Ela e 60 outras entidades sociais se uniram na Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, em torno de um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. Compõem a Coalizão a OAB, a CNBB, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a Plataforma pela Reforma Política dos Movimentos Sociais, a UNE, a CUT, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a União de Vereadores do Brasil (UVB), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), além de outras 50 entidades das mais representativas da sociedade brasileira.

O projeto da Coalizão proíbe o financiamento de campanha por empresas. Propõe o financiamento democrático de campanha, as eleições proporcionais em dois turnos, a paridade de gênero nas listas partidárias e o fortalecimento de mecanismos da democracia direta, tais como plebiscito, referendo e projeto de iniciativa popular.

O financiamento democrático inclui o financiamento público e o financiamento de pessoas físicas, limitado a R$ 700, não podendo esta última ultrapassar 40% da contribuição pública. A eleição proporcional em dois turnos fortalece os partidos políticos e a política feita em torno de ideias, mas reserva aos eleitores, no segundo turno, a última palavra na escolha dos candidatos. Essa alternativa reduz bastante o custo das campanhas e permite uma maior fiscalização do processo eleitoral.

O fato é que a tendência do STF de aprovar a inconstitucionalidade do financiamento de empresas coloca a reforma política no centro dos debates do próximo ano e durante as eleições. Abre, assim, o caminho para transformar o projeto da Coalizão no grande escoadouro da sociedade brasileira em torno de uma reforma política democrática.