O estelionato educacional de certos cursos jurídicos

quinta-feira, 22 de julho de 2004 às 05:22

Brasília,22/07/2004 - Editorial do jornal Tribuna Impressa, de São Paulo sobre a qualidade do ensino jurídico no país.

" O último Exame de Ordem, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional São Paulo (OAB/SP), obteve o índice mais baixo de aprovação de sua história: apenas 13,21% dos inscritos passaram na segunda fase. Em todo o Estado de São Paulo inscreveram-se para o exame 21.774 bacharéis, sendo que apenas 2.878 foram aprovados. Em Araraquara o índice de aprovação acompanha o do Estado: apenas 13% dos 270 candidatos inscritos na primeira fase poderão prestar a prova prática para exercer a profissão de advogado.

É lamentável constatar que, depois de cinco anos de estudos e, na maioria dos casos, do pagamento de mensalidades caras, mais de dois terços dos estudantes de Direito formados no Estado não poderão exercer a profissão para a qual acreditam estar preparados. E os números negativos não são apenas de São Paulo, que reúne o maior contingente de bacharéis. Em alguns Estados, o índice de reprovação chega a atingir 86%.

É preciso urgentemente encontrar formas de melhorar este índice de aprovação e reverter o triste quadro, seja no Estado de São Paulo ou no resto do País.

Argumenta-se que o Exame de Ordem é difícil. Trata-se, na realidade, de um teste sobre mínimos conhecimentos de Direito. Nada com que um futuro advogado não vá se deparar na sua profissão. Criticar o rigor do exame para mudá-lo é querer nivelar por baixo. E assim colocar no mercado profissionais despreparados que irão refletir, ainda mais, as deficiências da Justiça brasileira.

O resultado pífio do Exame de Ordem é mesmo reflexo da deficiência do ensino jurídico no Estado e no País. Todos os estudantes que prestaram o Exame vêm de faculdades de Direito aprovadas e que funcionam com autorização do Ministério da Educação. Está claro que é preciso mais rigor nos critérios de autorização para criação de novos cursos, bem como na fiscalização dos já existentes, uma vez que o objetivo de formar futuros advogados praticamente não está sendo atendido.

A má fiscalização também deriva de um quadro geral de massificação do ensino superior. Há mais de 750 cursos de Direito em funcionamento hoje no País, contra 69 em 1960. A título de comparação, nos Estados Unidos o número de faculdades de Direito está estacionado em 180 instituições de ensino superior. É difícil fiscalizar um número tão alto de instituições. Com isso, muitas faculdades deixam a desejar. É comum, por exemplo, faculdades com um corpo docente "de fachada". Quem aparece como responsável pelos cursos, no papel, são professores mestres e doutores, mas quem realmente ministra as aulas, prepara e corrige provas, são professores assistentes com pouca experiência. A maioria das provas não exige raciocínio dos alunos e pode ser feita com um Código ao lado. Falta leitura obrigatória e falta ensinar o aluno a pesquisar, a raciocinar e a ter visão crítica.

Para a OAB, uma das instituições mais atuantes na busca para elevar o nível dos cursos jurídicos no País, a solução imperativa hoje é criar padrões de referência mais altos e vetar novos cursos que não atendam aos requisitos mínimos. Por força de decreto, a OAB tem amparo legal para opinar sobre a abertura dos cursos de Direito, mas não tem poder de veto. Assim, nos últimos três anos, a OAB emitiu parecer positivo para a criação de apenas 19 novos cursos de Direito, mas o Conselho Nacional de Educação autorizou a abertura de 222 cursos.

Recentemente, com a divulgação dos números do últimos exames, o ministério suspendeu a aprovação de novos cursos de Direito e não está aceitando mais processos de abertura até o final do ano. De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério da Educação, novas formas de fiscalização serão apresentadas à OAB em 90 dias.

A verdade é que todos - OAB, professores, educadores e também os próprios estudantes - devem ter papel mais ativo no processo de criação e fiscalização dos cursos de Direito. A OAB, que merece aplausos pela atuação junto com o Ministério, pode também atuar informando melhor futuros estudantes sobre as faculdades de Direito que pretendem cursar. Professores e educadores precisam achar formas de contribuir para a solução do problema. E os futuros estudantes precisam, desde já, exercer seu pensamento crítico ao escolher a instituição para a qual pretendem dedicar seu tempo e seu dinheiro.