Márcia: conquista não será orgulho enquanto mulher for tratada como escárnio
Brasília, 10/09/2010 - A secretária-geral adjunta do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Márcia Machado Melaré, foi agraciada com o Prêmio Maria Immaculada Xavier da Silveira, da Seccional da OAB de São Paulo, que este ano se destinou a honrar a participação feminina na esfera jurídica. A discursar durante a homenagem, na noite desta quinta-feira, Márcia Melaré lembrou o caso da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento. "A morte de uma mulher por apedrejamento (e pedras de tamanho médio, para que o seu suplício seja longo e doloroso), imobilizada pelo seu enterramento ao chão, somente com a cabeça para fora, é afronta direta aos direitos humanos que deve ser rechaçada mundialmente", afirmou.
Ainda segundo Márcia Machado Melaré, após tanto desenvolvimento científico, tecnológico e conquistas, nenhum orgulho existirá na causa feminina enquanto existirem mulheres subjugadas à morte por apedrejamento, violentadas por seus próprios parentes, brutalizadas em razão de costumes culturais. "Não podemos nos orgulhar de nenhuma de nossas inúmeras conquistas enquanto ainda existirem mulheres tratadas como escárnio da raça humana", acrescentou.
Ao todo 13 mulheres foram agraciadas este ano com o prêmio, criado em 2008 para homenagear mulheres que atuam como advogadas, juízas, promotoras de justiça, delegadas, professoras e escritoras, prestando relevante contribuição para a sociedade brasileira. As homenageadas dão continuidade ao pioneirismo de Maria Immaculada, que há mais 75 anos transpôs uma série de barreiras para cursar uma faculdade de Direito e foi a primeira advogada inscrita na Seccional de São Paulo.
A seguir a íntegra do discurso da diretora da OAB Nacional:
"Queridas e queridos colegas,
Quero acreditar que a escolha de meu nome no rol de homenagens deste evento dedicado às mulheres que se destacaram no mundo jurídico se deve à gentileza da Presidente Fabíola Marques, do presidente D´Urso e de sua Diretoria, de Umberto D´Urso, presidente do Departamento de Cultura e Eventos e das integrantes da Comissão da Mulher advogada.
Mas devo admitir que assim como a advogada Maria Imaculada Xavier da Silveira, a primeira dentre as advogadas inscritas na nossa Seccional, as mulheres das carreiras jurídicas hoje homenageadas, Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Desembargadora Federal Marli Ferreira, Desembargadora Maria Cristina Zucchi, Professoras doutoras Eloísa de Souza Arruda, Flávia Cristina Piovesan; Silvia Carlos da Silva Pimentel; Eunice Aparecida de Jesus Prudente; Advogadas Maria Aparecida Pellegrina, Ristsuko Tomioka e Tallulah Kobayashi de Andrade Carvalho, Delegadas Rosmary Correa e Elisabeth Massuno, fazem a diferença pelo seu talento, por sua competência, dignidade e pelo seu pioneirismo em diversos postos de comando.
Todas elas mulheres que quebram paradigmas e assumem papel de protagonistas de atitudes em várias vertentes.
São mulheres que não fogem ao enfrentamento das discussões dos grandes temas de reafirmação da cidadania e dos direitos humanos.
Justa, portanto, a homenagem que hoje a OAB/SP faz a essas mulheres da carreira jurídica que tanto contribuem para a organização e mobilização da sociedade civil.
Mas nesse momento não posso deixar de tratar de uma questão que assumiu contornos mundiais, que exemplifica o quanto ainda a mulher, especialmente a mulher integrante da carreira jurídica, tem que lutar por sua dignidade como ser humano. Refiro-me ao caso da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, ainda que hoje tenhamos ouvido notícias de que a execução foi momentaneamente adiada.
A morte de uma mulher por apedrejamento (e pedras de tamanho médio, para que o seu suplício seja longo e doloroso), imobilizada pelo seu enterramento ao chão, somente com a cabeça para fora, é afronta direta aos direitos humanos que deve ser rechaçada mundialmente.
O marketing publicitário que nos endeusa, que nos faz lindas e adoráveis, faz-nos crer que o mundo das mulheres é um paradisíaco e glamuroso espaço. Mas, não é!
Após tanto desenvolvimento científico, tecnológico e tantas conquistas, nenhum orgulho existirá na causa feminina enquanto ainda existirem mulheres subjugadas à morte por apedrejamento, violentadas por seus próprios parentes, brutalizadas em razão de costumes culturais. Não podemos nos orgulhar de nenhuma de nossas inúmeras conquistas enquanto ainda existirem mulheres tratadas como escárnio da raça humana.
Claro que devemos respeito às culturas, aos costumes , às religiosidades, às diferenças, assim como deve-se respeito incondicional ao ser humano, independente de sexo, raça, opção sexual ou crença. E religiosidade não pode justificar brutalidade ; a religiosidade contemporânea, ao contrário, tem que ter o poder de atingir um alto grau de humanidade.
O caso da iraniana Sakineh, é um caso dramático de violação aos direitos humanos do gênero feminino.
Outros também tão dramáticos quanto esse precisam ser combatidos. Relatório da Anistia Internacional revela que uma em cada três mulheres do planeta é espancada, estuprada, mutilada, escravizada ou morta por conta da violência doméstica. Ou seja, mais de um bilhão de mulheres sofrem algum tipo de agressão física ou psicológica. Essa violência acaba sendo transferida também para os filhos e para toda a família em geral.
Por isso, mulheres, advogadas, promotoras, juízas, delegadas, desembargadoras, ministras a nossa luta ainda é atual e diária. E, tais como as homenageadas, todas as mulheres da carreira jurídica têm plena consciência sobre o papel da condição feminina na sociedade, principalmente onde as tradições culturais induzem ao errático conceito da desigualdade dos gêneros.
A nossa efetiva participação em todos os segmentos da sociedade é a forma de realizarmos mudanças nas relações de poder, no mercado de trabalho, nos valores culturais e nos padrões comportamentais.
Com isso, finalizo estas palavras conclamando pela manutenção de nossa intensa mobilização em todos os setores e a nossa participação em todos os debates, exercitando a força feminina no desenvolvimento de mudanças sociais.
Parabéns a todas e parabéns a nós, mulheres advogadas, que, com nossos valores vamos alterar errôneos conceitos de gênero."