Editorial: Vitória da sociedade

sábado, 07 de agosto de 2010 às 03:42


Dourados (MS), 07/08/2010 - O editorial "Vitória da sociedade" foi publicado na edição de hoje do jornal O Progresso (MS):


"Ainda não é o ideal, mesmo porque muita gente conseguiu escapar do rigor da nova legislação, mas cerca de 100 candidaturas serão barradas em todo o Brasil por meio da Lei Ficha Limpa, que impede a concessão de registro para políticos condenados por crimes eleitorais, corrupção ativa e passiva, improbidade administrativa, ou demais crimes, com penas superiores a dez anos de detenção, como homicídios e estupros. Os números anunciados pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, simbolizam uma vitória da sociedade brasileira, sobretudo das pessoas que fazem parte das 43 entidades da sociedade civil que bateram às portas da Câmara dos Deputados no dia 29 de setembro do ano passado para entregar ao presidente Michel Temer o projeto de lei de iniciativa popular, com 1,3 milhão de assinaturas de eleitores brasileiros que defendiam a votação do projeto Ficha Limpa, que acabou virando lei. Se dependesse exclusivamente da iniciativa de deputados e senadores, a proposta não teria sido nem protocolada no Congresso Nacional, portanto, a Ficha Limpa é uma conquista da sociedade organizada.


O instrumento de pressão popular funcionou graças, sobretudo, ao Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que reúne entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), entre outros. O melhor é que a Lei Ficha Limpa acaba deixando os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) mais rigorosos, tanto que o balanço parcial divulgado ontem pelo Tribunal Superior Eleitoral revelou que 1.030 candidaturas foram indeferidas até a tarde de anteontem, número que pode passar de 1.500 até segunda-feira. Para o ministro Ricardo Lewandowski, o melhor de tudo é que a Lei Ficha Limpa está promovendo o saneamento nas candidaturas, deixando fora da política os candidatos que sofreram condenação por um colegiado e, até mesmo, aqueles que já ocuparam cargos no serviço público e que tiveram os gastos rejeitados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).


Tão importante quanto o rigor dos desembargadores dos Tribunais Regionais Eleitorais no julgamento dos pedidos de registros de candidaturas é a depuração que a Lei Ficha Limpa promoveu nos próprios partidos políticos. A grande maioria das legendas criou uma espécie de filtro para impedir a filiação partidária de políticos que tenham problema com a Justiça, ou seja, aqueles que buscavam abrigo nos partidos políticos com o único objetivo de conquistar um cargo eletivo para ter direito ao foro privilegiado já sabe que, dificilmente, será aceito. Um dos pontos mais importantes da Lei Ficha Limpa é o que torna inelegível por até 16 anos todo e qualquer político que renunciar ao mandato para fugir de processos de cassação, como aconteceu com o ex-senador Joaquim Roriz, que agora teve a candidatura ao governo do Estado impugnada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Com isso, aquela cena comum na política brasileira onde desde vereadores até senadores renunciavam ao mandato minutos antes da instalação do processo de cassação, não mais se repetirá.


Contudo, não basta criar mecanismos como a Lei Ficha Limpa para depurar a política. Toda véspera de ano eleitoral o governo federal inventa uma forma de ampliar os currais eletrônicos instituídos pelos cartões magnéticos do Bolsa Família, o programa de distribuição de renda que nasceu no governo Fernando Henrique Cardoso como Bolsa Escola e que acabou desvirtuado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando foi transformado em moeda de barganha eleitoral. Não existe ilegalidade em turbinar programas de distribuição de renda, mesmo porque o Brasil tem uma das mais severas concentrações de riqueza do mundo, mas é imoral um governo revelar preocupação com os mais pobres apenas em véspera de eleição. Ainda que o Brasil seja o País dos opostos, com uma concentração de renda absurda e maléfica, é inegável que o governo erra ao usar dinheiro público para distribuir renda e reduzir essa desigualdade. Esse é outro erro que precisa de nova lei para ser corrigido. Até lá..."