Artigo: Ameaças ao direito de defesa

quarta-feira, 14 de julho de 2010 às 04:13


Salvador (BA), 14/07/2010 - O artigo "Ameaças ao direito de defesa" é de autoria do presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, Saul Quadros Filho, e foi publicado na edição de hoje (14) do jornal A Tarde (BA):


"Se há uma profissão que pressupõe coragem e independência para seu pleno exercício, esta é a advocacia. Seus direitos e prerrogativas garantem a inexistência de subordinação ou hierarquia entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público.


O advogado não pode ser privado da liberdade de defesa e do sigilo profissional, da inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, nem de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas.


Ao advogado é assegurado comunicar-se pessoal e reservadamente com o seu cliente, mesmo que este esteja preso, detido ou recolhido em estabelecimento civil ou militar, ainda que submetido à incomunicabilidade.


Tais considerações são oportunas e se justificam em face de atos e manifestações do juiz federal mato-grossense Odilon de Oliveira e de associações de magistrados que, teimosamente, tentam desrespeitar as prerrogativas do profissional do direito.


Nem o juiz federal do Mato Grosso do Sul, que recentemente e com rara infelicidade colocou, num mesmo plano, advogados e aqueles supostamente travestidos em "bandidos", numa acusação tão injusta quanto irresponsável a toda uma categoria, nem tampouco outros magistrados, ou suas associações, podem arvorar-se em ultrajar as prerrogativas e direitos da advocacia.


Não se prega o confronto entre magistratura e a advocacia. Como dizia Ruy, "são duas carreiras quase sagradas, inseparáveis uma da outra e, tanto uma como a outra, imersas nas suas dificuldades, responsabilidades e utilidades".


A dignidade da toga e a dignidade da beca são essenciais à Justiça.


Mas não se pode admitir, igualmente, que o pretenso emocionalismo, a inconsequência e a generalização se prestem a agredir toda uma classe como a dos advogados.


A OAB nacional, como entidade mãe, já saiu em sua defesa e tem o incondicional respaldo da OAB-BA, não comportando "acomodações" quando liberdade, justiça e direito estejam sendo agravados.


Presídios federais de segurança máxima, ou outros quaisquer, abrigam homens ou mulheres que, por infringirem normas de convivência social, neles são mantidos à disposição da Justiça. Não perdem, porém, a condição de humanos aqueles que ali purgam pelo que lhes é imputado.


Não é demais lembrar as palavras do mestre Raul Chaves em discurso de paraninfia da turma de Direito da Universidade Federal da Bahia de 1963: "Advogar é combater, é lutar, é opor-se, é apaixonar-se pela paixão alheia; é sofrer o martírio de não poder ajustar a razão do cliente, nem sempre dentro da lei, à inflexibilidade da norma; é não ser compreendido, às vezes, por aqueles mesmos aos quais representa; é, na especialidade criminal, obstar, em muitos casos, que juízes e acusadores exerçam seus próprios instintos criminosos na punição dos que delinquiram; é enfim, e mais uma vez, fazer um pouco de bem silenciosamente; é penetrar na alma dos que se confiam a nós, viver suas ânsias e dores, viver suas alegrias".


Bisbilhotar, grampear ligações telefônicas, monitorar indiscriminadamente a atuação de advogados no legítimo exercício de sua missão, ainda que sob o falacioso argumento de uma suposta necessidade de esclarecimentos que pudessem servir de contribuição ao processo judicial, não têm amparo legal.


O sigilo profissional,essencial no Estado de direito, é tão sagrado para o advogado como para o sacerdote no sacramento da confissão, para o médico no afã de salvar vidas ou reduzir o sofrimento do paciente, cuja intimidade deve sempre ser preservada.


Contesta-se, pois, o suposto direito de utilização de todos os meios "legais" para combater a criminalidade, invocado por entidades representantes de magistrados.


Silenciar ante o absurdo deste entendimento seria contribuir para rasgar o Estado de direito, preparando-se, deliberadamente, o fim das garantias individuais que são inerentes à democracia.


O que se espera é que a Bahia dê o exemplo democrático e republicano de respeito ao direito à inviolabilidade da intimidade, à vida privada, à honra, à imagem das pessoas e ao sigilo da correspondência e comunicações entre todos."