Justiça Federal mantém nulo concurso fraudulento do TJ-SE
Brasília, 27/04/2004 - O concurso público realizado pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, alvo de denúncias e de ação civil pública por parte da Ordem dos Advogados do Brasil devido a uma série de irregularidades, permanecerá anulado. A liminar que suspendeu sua validade, concedida pela Terceira Vara da Justiça Federal de Sergipe, foi confirmada hoje (27) pelo desembargador federal Napoleão Nunes Maia Filho, presidente em exercício do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. O TRF fica sediado em Recife e tem jurisdição sobre Sergipe e outros Estados nordestinos.
O Estado de Sergipe, que representa o TJ na ação ajuizada pela OAB, entrou com recurso no TRF na tarde desta segunda-feira (26) para contestar a liminar concedida pela Terceira Vara da Justiça Federal de Sergipe. Sustentou que a decisão de suspender a validade do concurso viola a ordem administrativa estadual e implica em restrições às atividades do Judiciário, “privado que fica de nomear servidores recrutados para o seu quadro, reduzindo assim seu potencial de atendimento às demandas judiciais”.
Entre as irregularidades apontadas pela OAB no concurso do TJ, estão a clonagem de questões de outros concursos, inexistência de sigilo durante a prova (com utilização de celulares pelos candidatos e circulação livre por corredores e banheiros) e, o mais importante, a dispensa irregular de licitação para a contratação da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Alagoas (Fesmpa) para aplicar as provas. Segundo a OAB-SE, a Fundação ainda teria terceirizado o serviço, contratando a Faculdade de Administração do Estado de São Paulo para administrar as provas em seu lugar.
A licitação pública teria sido dispensada para a contratação da Fesmpa porque, segundo o TJ sergipano, a Fundação tinha “notória especialidade e inquestionável atributo ético profissional”. A dispensa, no entanto, não contou com parecer assinado por um procurador do Estado, condição estabelecida na lei para que ocorra a dispensa de licitação pública.
O motivo que levou o desembargador Napoleão Nunes Maia Filho a manter a decisão da Vara Federal foi exatamente a dispensa irregular da licitação em favor da Fesmpa e o fato dela ter terceirizado a aplicação das provas para outra instituição. “É excepcional e inextensiva a terceiros a dispensa de licitação operada ao abrigo do artigo 23, XII da Lei nº 8.666/93, por se tratar de ato administrativo calcado em avaliação prestigiante de atributos personalísticos (intuitu personae), máxime quando o contrato celebrado com o ente público impõe ao contratado, como devia, o desempenho direto das responsabilidades inerentes ao objeto do concurso público”, afirmou o desembargador federal em seu despacho.
O presidente nacional da OAB, Roberto Busato, foi comunicado do despacho do TRF da 5ª Região pelo presidente da Seccional da OAB de Sergipe, Henri Clay Andrade. Com essa decisão, o concurso permanece nulo, até o julgamento do mérito da ação civil pública, de número 2004.85.00.001754-0.
Veja, a seguir, a íntegra do despacho do Desembargador Federal
PETPR. 3.474-SE (2004.05.00.009351-4).
REQTE : ESTADO DE SERGIPE
ADV/PROC: ANTONIO JOÃO ROCHA MESSIAS E OUTROS
PARTE 1 : OAB/SE
P PARTE 2 : FUNDACAO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE OUTRO.
ORIGEM : JUIZO DA 3A VARA FEDERAL DA SJ DE SERGIPE.
RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO.
DECISAO DE MANUTENÇÃO DO DESPACHO MONOCRÁTICO
SUSPENSÃO DE LIMINAR EM ACP VALIDADE DE CONCURSO PÚBLICO. DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 23, XIII DA LEI 8.666/93. INEXTENSIVIDADE A TERCEIROS. PONDERÁVEIS RAZOES DE ORDEM ADMINISTRATIVA. SUBMISSÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. ART. 37 DA GARTA MACNA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA.
1. A excepcional e inextensiva a terceiros adispensa de licitação operada ao abrigo do art. 23, XIII da Lei 8.666/93, por se tratar de ato administrativo calcado em avaliação prestigiante de atributos personalísticos (intuitu personae}, máxime quando o contrato celebrado com o ente público impõe ao contratado, como devia, o desempenho direto das responsabilidades iner-entes ao objeto da avença (concurso p,úblico).
2. As razões de ordem administrativa, mesmo as mais ponderáveis e sérias, submetem-se ao império dos princípios constitucionais, sob a pena de inverter-se a primazia dos valores juridicamente protegidos, com incontrolável redução de eficácia doas normas superiores
(art. 37 da Carta Magna).
3. Manutenção da decisão monocrática que suspendeu, até o julgamento da ACP, a aplicação dos resultados de concurso público para a seleção de servidores do Estado de Sergipe.
1. 0 Estado de Sergipe, valendo-se da prerrogativa inscrita no art. 12, parag. lo. da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Publica, LACP), pede a suspensão da execução da medida liminar que o douto Juiz Federal da 3a. Vara daquela Seção Judiciária deferiu à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SE), na ACP 2004.85.00.0017540, pelo qual sustou os efeitos de concurso público promovido pelo egrégio Tribunal de Justiça daquele Estado, para os cargos de Analista Judiciário e Técnico Judiciário, o qual, ao ver da OAB/SE, seria eivado de insuperáveis máculas, de modo a tornar juridicamente imprestdveis os resultados do referido prélio seletivo.
2. Argumenta o Estado de Sergipe que a execução da sobredita decisão vulnerara a ordem administrativa estadual, por implicar em restrições as atividades de seu Poder Judiciário, privado que ficaria de nomear servidores recrutados para o seu quadro, assim reduzindo seu potencial de atendimento as demandas judiciais.
3. Observando-se os termos da inicial da AçãoCivil Pública que a OAB/SE aforou, vê-se que alinha não poucos desvirtuamentos ocorridos no procedimento da seleção dos Servidores, dentre os quais se destacam (a) a irregular dispensa de licitação para a contratação da Escola Superior do Ministério Público de Sergipe, com o fim de realizar o certame, (b) a sub-contratação de outra entidade para efetivamente realizar o concurso; (c) a utilização, no prédio seletivo, de quesitos constantes de seleções anteriores; (d) a ausência de sigilo durante a prova, apontando que alguns candidatos utilizaram-se de telefones celulares; (e) manipulação dos quesitos da prova. permitindo a indução da aprovação de certos competidores.
4. 0 digno Juiz Federal Edmilson da Silva Pimenta, da 3a. Vara da SJ/SE, acolheu a postulação de tutela initio litis, por entender presentes os seus pressupostos específicos, quais sejam o fumus boni juris e o periculum in mora, o primeiro representado na plausibilidade do êxito da ACP (fortes vetores da sua procedência) e o outro na iminência de grave lesão ao patrimônio público, aqui tomada a expressão no seu significado mais amplo, conforme a emprega o texto constitucional (art. 129, III).
5. É o breve relatório.
6. Não resta dúvida de que as razões expostas neste pedido de suspensão aforado pelo Estado de Sergipe são todas da maior relevância e de inegável ponderabilidade jurídica, mostrando-se sérias e impressionantes, mas sobre elas haverão de prevalecer as normas superiores da Carta Magna, protegendo maximarnente os interesses primários da Adrninistração Pública, de modo a subordinar aquel''outros administrativos, importantes mas segundários, legítimos mas insusceptíveis de afastar a aplicação das normas que lhes são o hierarquicarnente superiores (art. 37 da Constituição Federal), por lhes faltar potestade suficiente, dada a estrutura piramidal da ordem jurídica positiva, em cujo topo está a Carta Magna.
7. Ao meu ver, contudo, reverenciando os pontos de vista divergentes, esses prezáveis valores administrativos, tanto que juridicamente protegidos, devem se amoldar aos ditames da Constituição (e não o contrário), sem o que a Carta Magna perderia a sua supremacia e a sua inteireza positiva (expressão do Prof. Pinto Ferreira) e os seus comandos restariam meras promessas ou simples projetos desprovidos de eficácia.
8. No caso em exame, a leitura do despacho visado no presente pedido de suspensão deixa extreme de duvidas que a entidade contratada para a realização do concurso (a Fundação Escola Superior do Ministério Público de Sergipe), efetivamente repassou essa responsabilidade a outra entidade (o Instituto de Pesquisa em Ciência da Administração, do Estado de São Paulo), quando é certo que a dispensa da licitação (calcada no art. 25, XIII da Lei 8.666/93), deu-se em apreço à qualificação ética e profissional da Fundação, cujo conceito não seria, em princípio, automaticamente extensivo aquel''outra entidade, mas sem qualquer avaliação do seu merecimento, já que não fora objeto de consideração com tal objetivo.
9. A dispensa da licitação, contemplando a Fundação Escola Superior do Ministério Público de Sergipe, deu-se inegavelmente em razão da pessoa fundacional (intuitu personae) e por si só, não seria de molde a carrear ao ato correspondente o vicio que se lhe busca imputar, rnas o mesmo não se haverá de afirmar quanto à transferência da sua escolha, ou seja, quanto ao fato de Fundação (ela própria, direta e ulteriormente) selecionar urna outra entidade para operar, em seu lugar e em seu nome, as ações administrativas pertinentes ao concurso.
10. Socorro-me mais uma vez da leitura da decisão do Juízo de origem para constatar que o contrato que a Fundação celebrara lhe vedava certamente a prática da transferência a terceiros (ainda que qualificados, se .fosse o caso) das responsabilidades do concurso (Clausula 3a., parág. 2o., letra "e"), de forma que me parece essa ocorrência de severas efeitos quanto à sanidade do prélio,, ainda que não o se possa, neste azo, imputar objetivamente à Corte de Justiça Sergipana algum deslize censurável, sendo à Fundação.
11. os demais fundamentos do pedido da OAB/SE, acolhidos pelo digno Juizo Federal a quo, por versarem matéria fática de evidente interesse processual, mas não comprovados no bojo dos autos, não constituem objeto de exame neste azo, ficando, contudo, para serem apreciados, em regime de contraditório, na instância primária.
12. Em tema de sustação de medida liminar monocrática em ACP, a análise do pedido de suspensão, por ato não jurisdicional do Presidente do Tribunal, há de ficar restrito aos fundamentos acolhidos no referido provimento, verificando-se, tão só, a sua compatibilidade com o sistema jurídico e as regras do procedimento que lhes são próprias, mantendo-se a sua diretriz a orientação, a não ser que, evidentemente, a execução resulte em prejuízo manifesto e relevante ao ente público, tal não se caracterizando, quando a ato judicial vergastado é esforçado em pressupostos e princípios constitucionais explícitos (art. 37 da CF), cuja supremidade nern precisa ser encomiada.
13. Finalmente, reputo significativa a nota judicial de que as provas do concurso em apreço receberam a identificação dos seus elaboradores, o que seguramente é de todo inusual em certames públicos, por evidenciar a quebra de urn dos pilares da disputa igualitária entre os concorrentes, mas isso também será visto melhormente naquela mesma instância.
14. Com estas considerações, entendo que a decisão do Juizo de Primeiro Grau mostra-se em tudo e por tudo acauteladora do interesse público, que é também apanágio do egrégio Tribunal de Justiça de Sergipe, daí por que a mantenho intacta, pelos seus próprios e doutos fundamentos.
15. Ciência do inteiro teor desta decisum ao ilustre Procurador do Estado de Sergipe, à OAB/SE e ao digno Juízo Federal da 3a. Vara Sergipana.
16. Expedientes de estilo. Urgência. Recife, PE., 27 de abril de 2004.
Napoleão Nunes Maia Filho
Desembargador Federal