Toron: o valoroso Flávio Bierrenbach volta para casa, a OAB

sexta-feira, 16 de outubro de 2009 às 04:40


Brasília, 16/10/2009 - Ao saudar hoje (16) o ministro do Superior Tribunal Militar (STM), Flávio Bierrenbach, em discurso durante a solenidade de sua aposentadoria daquela Corte, o secretário-geral adjunto do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Alberto Zacharias Toron, exaltou a figura de "um juiz dos mais valorosos que este Tribunal já conheceu e um homem público ímpar". Destacando as lições de vida de Bierrenbach desde os tempos de estudante de direito à atividade parlamentar contra o arbítrio, até os tempos de magistratura no STM, sempre ao lado das grandes causas públicas e democráticas, Toron salientou: "por tudo isso, hoje, mais do que nunca, temos a obrigação de não apenas reverenciar aquele que tanto fez pela nação, mas celebrar realizações em prol de uma vida mais digna, mais justa e solidária". Ele acrescentou que o advogado Bierrenbach agora "volta par casa, para a nossa OAB".


A seguir, a íntegra do discurso de Alberto Zacharias Toron por ocasião da aposentadoria do ministro Flávio Bierrenbach



"Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Colendo Superior Tribunal Militar, DD. Dr. Carlos Alberto Marques Soares;


Excelentíssimos Senhores Ministros que integram esta Colenda Corte,


Excelentíssima Senhora Ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, primeira juíza desta eg. Corte,


Excelentíssimo senhor Subprocurador-geral da Justiça Militar;


Familiares e amigos do Excelentíssimo Senhor Ministro Flávio Bierrenbach, os quais peço licença para cumprimentar na pessoa de Maria Ines Bierrenbach


Eminentes Colegas Advogados;


Senhores Servidores da Corte;


Meus Amigos e, muito especialmente,


Queridíssimo Ministro Flávio Flores da Cunha Bierrenbach,


Solenidades como as desta tarde nos remetem inexoravelmente à reflexão sobre os nossos papéis, nosso mundo, nossa amada terra, nossas instituições e, especialmente, a que integramos, mas tudo isso sob o influxo da trajetória do Homem que se despede das suas atividades nesta Corte. Curioso é que não é diferente quando se trata de uma cerimônia de ingresso. "Encontros e Despedidas", como cantava Gonzaguinha na inesquecível canção, representam um eterno "vai-e-vem".


A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar


E assim, chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida!


Na tradição judaica quando se brinda para comemorar uma data ou um evento, costuma-se dizer "À vida"! Hoje, depois de quase 10 anos de exercício da judicatura nesta mais alta e antiga Corte da nossa Justiça, despede-se por força da aposentadoria compulsória um juiz dos mais valorosos que este Superior Tribunal Militar já conheceu. Um homem público ímpar. Por isso, hoje, mais do que nunca, temos a obrigação de não apenas reverenciar aquele que tanto fez pela nação, mas celebrar realizações em prol da vida mais digna, mais justa e solidária.


Entre um passado marcado pelo arbítrio, além das gritantes injustiças sociais, e um presente que aponta um futuro incógnito, mas pleno de esperança e ações diversificadas no estabelecimento de relações menos desiguais entre os homens e as nações, ficamos, para lembrar o clássico de HANNA ARENDT, como quem está "entre o passado e o futuro". As diferentes gerações de homens públicos que ocuparam postos no Executivo, Judiciário ou Legislativo sempre tiveram diante de si a angustiante e ingente tarefa de encontrar o caminho que nos permitisse viabilizar a construção de uma sociedade que tivesse como marca registrada a fraternidade, a solidariedade e, sobretudo, a Justiça Social.


Diferentemente da geração de estudantes a que pertenceu o ministro Flávio Bierrenbach, saída em 1964 da velha e sempre nova Academia de Direito do Largo de São Francisco, a "San Fran" como falam os estudantes hoje, não vivemos mais em um mundo marcado pela guerra fria e pela polarização entre o comunismo e o capitalismo.


A despeito de novas tensões, algumas das quais, aliás, estiveram durante muito tempo apenas encobertas, poder-se-ia afirmar que viveríamos em um momento privilegiado: abriu-se um caminho mais fecundo para ações menos maniqueístas e mais efetivas em prol da melhoria das condições sociais de vida do nosso povo. Mas entre vacilações, erros e acertos, do passado e do presente, o certo mesmo é que passamos, como adverte o grande pensador francês, Edgard Morin, por um desencanto necessário. Temos que viver num mundo desiludido. Mas o mundo desiludido não é o mundo chão e prosaico dos interesses egoístas: é o mundo que se livrou da estupidez das soluções definitivas, do futuro radioso, do progresso indefinido e infinito: é o mundo estranho, terrível, patético, alucinante em que estamos, em que podemos e devemos arriscar nossas forças de amor, mas não nos falsos messias".


O nosso Flávio Bierrenbach, digo nosso, Senhor Presidente, porque S. Excelência volta agora para casa, para a nossa OAB, é dessas pessoas que deixou marcas profundas por onde passou. Líder estudantil de esquerda, com convicções profundamente democráticas, participou ativamente das atividades políticas do período que antecedeu e também do que sucedeu o golpe de 1964. Trabalhou com o grande parlamentar Almino Affonso, ao tempo em que S. Exa. era ministro da pasta do Trabalho do presidente João Goulart. Foi Vereador dos mais prestigiados pelas forças democráticas do Município de São Paulo e, depois, sucessivamente, Deputado Estadual, tendo sido presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa Bandeirante e Deputado Federal pelo antigo MDB.


Era um autêntico! Tinha, num momento difícil para a nação, não apenas compromissos firmes e claros com a redemocratização do nosso Brasil, mas ações igualmente significativas. Empenhou-se como poucos pela decretação da Anistia e pela instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Foi um dos articuladores, junto com o notável e respeitadíssimo advogado José Carlos Dias e o Deputado Almino Affonso, da momentosa e até hoje festejada "Carta aos Brasileiros", redigida pelo hoje saudoso professor Goffredo da Silva Telles Júnior. Sem dúvida um vitorioso em suas lutas. Somos não apenas gratos, mas devedores de homens como o ministro Flávio Bierrenbach que se expuseram, apanharam, sofreram processos e até amargaram no cárcere na luta pelas liberdades em nosso país.


A vinda de Flávio Bierrenbach para esta egrégia Corte, o colendo Superior Tribunal Militar, desfalcou a advocacia brasileira e, particularmente, a Procuradoria do Estado de São Paulo, na qual foi um destacado Procurador do Estado. Mas esta Corte bicentenária, merecedora de todo o respeito da advocacia brasileira, pois mesmo nos momentos mais difíceis soube, com altivez, garantir e preservar direitos, engrandeceu-se com sua presença. Bierrenbach, como muito apropriadamente sublinhou, em editorial, a principal revista eletrônica do nosso país, o Consultor Jurídico, "deu uma enorme contribuição para a abertura do tribunal e o fortalecimento de suas posições mais liberais". É também dele a iniciativa de propor o batismo da ‘Sala do Advogado'' neste eg. Tribunal com o nome de uma figura caríssima à Advocacia, o saudoso Dr. Lino Machado, "advogado da liberdade", ex-Capitão Aviador da gloriosa Força Aérea Brasileira e grande advogado de presos políticos.


Ex-vice-presidente desta egrégia Corte no biênio 2006/2007, coordenou os Seminários de Direito para professores de Cursos de Formação de Oficiais das Forças Armadas e participou dos Encontros de Magistrados da Justiça Militar da União, realizados neste Sodalício. Entre as atividades mais significativas nesta Casa destacam-se o acompanhamento do Estágio probatório de Magistrados da Justiça Militar da União, a participação no Conselho de Administração, na Comissão de Jurisprudência e o exercício da Presidência da Comissão Examinadora de Concurso de Juiz-Auditor Substituto entre junho de 2004 e março de 2005 e tantas outras que não me atrevo a mencionar para não me tornar enfadonho.


Mas, Senhor Presidente, eminentes Ministros, Colegas Advogados, Senhoras e Senhores, deixando de lado a faceta de juiz e também a de intelectual altamente qualificado, ex-bolsista da Interamerican University Foundation da Universidade de Harvard, ou de pós-graduado em Direito Constitucional pela PUC-SP, com diversas palestras proferidas no Brasil e no exterior, além de vários trabalhos publicados, vamos falar sobre algo que verdadeiramente encanta o eminente ministro Flávio Bierrenbach. Sim, acertou quem pensou em aviação. Não é por acaso que S. Exa. se tornou Piloto privado, tendo sido presidente no biênio 1992/94 da Fundação Santos Dumont. Mas seu outro inescondível amor, além da esposa, Dna. Maria Ines Bierrenbach, e das filhas, é pela nossa Aeronáutica, na qual só não ingressou porque, como confessou em seu discurso de posse nesta eg. Corte, revelando sua grandeza de espírito, percebeu o acerto da advertência paterna, no sentido de que "não era disciplinado o bastante". Parafraseando Elias Canetti, em alusão ao ofício do poeta, podemos dizer que Flávio Bierrenbach está mais próximo do mundo porque carrega em seu íntimo um caos: no entanto, sente responsabilidade por ele e "não perdeu jamais a esperança de dominá-lo em prol dos outros e de si mesmo".


Senhor Presidente, Senhores Ministros, o grande homem público que se despede da mais antiga Corte de Justiça do Brasil, deixa a toga exatamente como a encontrou: imaculada, alva como da primeira vez em que a vestiu, honrando não apenas a mais alta magistratura militar federal, mas a própria cidadania. Esta a magnífica faceta do homem público de governo, da magistratura, e da advocacia, cujo exemplo fica.


Embora os eminentes juízes desta Augusta Corte e os advogados que aqui militem, membros do Ministério Público e servidores já sintam saudades suas, o que importa mesmo é a sua lição de vida para nós todos, o legado que Vossa Excelência, Sr. Ministro Bierrenbach, nos dá em vida.


Paradoxalmente, hoje parece não ser um dia de despedida, como quem pendura as chuteiras. Mesmo agora, nos estertores de suas atividades judicantes, o Ministro Flávio Bierrenbach faz justiça aos que combateram o nazismo na Segunda Grande Guerra ao repudiar a visita do ditador iraniano ao Brasil que nega o Holocausto. Tem razão ele quando afirma que "o convite feito pelo Brasil ao presidente do Irã é uma bofetada na memória da Força Expedicionária Brasileira, que foi para a Europa lutar contra o nazismo". Vossa Excelência, Ministro Bierrenbach, continua um autêntico! Autêntico aos valores humanos que nos são mais caros. Nós na OAB te esperamos e, é bom que se diga, de braços abertos.


Que o Altíssimo o ilumine e a toda sua família nessa nova etapa de sua vida. Muito Obrigado".