STF decidirá sobre revisão da Lei da Anistia
Brasília, 23/08/3009 - Após 30 anos de vigência da Lei da Anistia, o Supremo Tribunal Federal (STF) está para decidir sobre uma ação que pede o fim da anistia para torturadores e autoridades que, de alguma forma, cometeram ou participaram de crimes contra os direitos humanos ao longo dos governos militares. Quando foi editada, a lei selou formalmente a paz, concedendo perdão amplo às vítimas e aos agentes da ditadura.
A amplitude da Lei da Anistia foi questionada por uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Atualmente, a ação está nas mãos do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
A Corte está dividida: alguns ministros já manifestaram o desejo de rever a lei; outros defendem que tudo permaneça como está, com a anistia valendo para todos. O debate promete ser polêmico. "Esse assunto vai suscitar uma das discussões mais acirradas da história do STF", prevê o ministro Carlos Ayres Britto.
Apesar de não querer declarar antecipadamente seu voto, Ayres Britto ressalta que a Constituição Federal fala em anistia apenas para a vítima da ditadura: - Eu prefiro ver a anistia do ângulo da Constituição, que é para beneficiar os que foram afastados dos seus cargos arbitrariamente, foram perseguidos politicamente. A lei veio e transformou a coisa numa estrada de mão dupla.
Outro integrante da Corte, que prefere não se identificar, é mais explícito: - Mas é claro que os torturadores devem ser punidos! "Ela realmente serviu como instrumento de pacificação" Em agosto de 2008, o presidente do STF, Gilmar Mendes, deixou clara sua posição contrária à revisão da Lei da Anistia.
Para ele, a discussão pode causar instabilidade. As ideias foram expostas em palestra proferida numa universidade. "Esta é uma questão que tem que ser realmente examinada com muito cuidado. Eu tenho a impressão de que é muito difícil fazer-se uma revisão unilateral da Lei da Anistia. Esse é um tema que realmente precisa ser encerrado", disse ele.
Na ocasião, Gilmar ressaltou também que, mesmo com a lei revista, seria difícil haver punição aos agentes da ditadura. Isso porque, conforme as leis brasileiras, o crime com prescrição mais longa, o homicídio, não pode mais ser punido após 20 anos. E, no caso, a lei tem 30 anos. Na semana passada, o ministro afirmou que, durante o julgamento, deve ser ressaltada a importância da lei como o início da redemocratização do país.
- Eu acho que a ênfase tem que ser essa, no sentido da grande importância dessa lei.
Ela realmente serviu como instrumento de pacificação, de integração, de superação das divergências - afirmou.
Ministros do STF preveem polêmica
O ministro Celso de Mello, o mais antigo do STF, não declarou como vai votar. Mas expôs argumentos favoráveis à revisão da anistia. Lembrou que tratados internacionais e decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmam que os governos não têm poderes para conceder anistia a si mesmos.
Mas essa interpretação depende de análise para saber se pode ser aplicada ao Brasil: - A grande questão a ser debatida é se a anistia que resultou de legislação votada pelo Congresso constitui ou não anistia auto-concedida pelos detentores do poder governamental.
Para o ministro, a questão é importante porque, segundo os precedentes internacionais, leis que permitem aos detentores do poder se excluírem de futuras punições por crimes contra a humanidade são conflitantes com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, anistia é o perdão a todos, independentemente das ideias e ações na ditadura.
- Anistia para mim é evolução, e os homens devem evoluir.
É virada de página, esquecimento de uma fase da qual não temos saudade. E é um instituto bilateral, porque atende facções, aqueles que se engajaram nesta ou naquela caminhada.
Devemos pensar não no Brasil de ontem, mas no de amanhã.
Tarso cobra punição para acusados de tortura
No Rio, num evento realizado ontem no Arquivo Nacional para lembrar os 30 anos da anistia, o ministro da Justiça, Tarso Genro, pediu novamente o julgamento das pessoas envolvidas em casos de tortura durante a ditadura. E pediu que o STF analise logo a ação da OAB. "Espero que o STF julgue procedente essa ação. Estudei profundamente essa ação. É bem posta, correta e tem efeito democrático fundamental para o estado de direito no Brasil".
Discursando para cerca de 300 pessoas, a maioria de ex-presos políticos e antigos militantes, o ministro cobrou o julgamento dos torturadores: - A ideia de que punir torturadores é revanchismo é falsa. É uma fraude. É mentiroso. Não estamos pedindo que os torturadores sejam torturados. Estamos pedindo que sejam julgados, e aquilo que fizeram seja exposto à sociedade. ( A matéria é de autoria da repórter Carolina Brígido e foi publicada na edição de hoje do jornal O Globo)