Artigo: A crise dos trinta

sábado, 22 de agosto de 2009 às 11:22

Fortaleza, 22/08/2009 -O artigo "A crise dos trinta" é de autoria do presidente da Seccional da OAB do Ceará, HélioLeitão, e foi publicado na edição de hoje (22) do jornal O Povo, de Fortaleza:

"Evangelho de Jesus Cristo II João 8,12 A lei da anistia completa, em 28 de agosto, trinta anos. Foi promulgada pelo presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, no ano de 1979, para anistiar, sobretudo, os presos e perseguidos políticos dos anos de chumbo da ditadura militar. Este era o objetivo da Lei 6.683/79 que, sem réstia de dúvida, exerceu um importante papel no restabelecimento da democracia em nosso país, a qual passou a se dar em passos miúdos na década seguinte.


Pode-se afirmar que hoje, passadas três décadas da criação desta lei, o país vive sob a égide de um estado democrático de direito. E é nesse contexto que se apresenta atual um grande embate, sobra mal resolvida da ditadura militar, que aqui denomino de crise dos 30: há o entendimento de que a lei da anistia contempla, também, os agentes do Estado - principalmente policiais e militares - que praticaram crimes nesse mesmo período. Segundo tal entendimento, crimes nefandos, como tortura, homicídio, lesão corporal, estupro, dentre tantos outros, cometidos por tais agentes, e respaldados pela abjeta ditadura, estariam anistiados. A verdade deverá permanecer envolta em manto espesso.


É sabido que a Ordem dos Advogados do Brasil sempre protagonizou um papel ativo na luta pela restauração democrática e na defesa incansável dos direitos humanos. Tanto é verdade que o seu Conselho Federal provocou, em sede de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), o Supremo Tribunal Federal para se manifestar acerca do alcance e consectários da lei de anistia - elevou-se à Corte Máxima a discussão acerca do direito à abertura dos arquivos da ditadura e sobre se os torturadores - aqueles mesmos que segundo o dramaturgo Nelson Rodrigues teriam câncer na alma, seriam favorecidos pelo beneplácito legal.


Penso não se tratar de revanchismo. Porém, acredito não ser possível nem coerente alargar o alcance desta lei como se pretende atualmente. Não havia nem nunca há igualdade de condições entre torturadores e torturados, perseguidores e perseguidos, de sorte que não deve havê-la na anistia. É um princípio de justiça. Não se pode equipará-los nesse momento, tampouco tentar apagar da memória coletiva nacional os terríveis anos da ditadura. Nem Figueiredo, o cavalariano truculento e boquirroto que quando deixou a presidência pediu que o esquecessem, acreditaria, se vivo fosse, na tentativa de anistiar seus comandados e sepultar esse pedaço da história, após 30 anos da promulgação da lei da anistia. Realmente é a crise dos 30.


Em tempo: Nelson Rodrigues, direitista empedernido e convicto, teve seu filho Nelsinho submetido aos horrores da tortura. Triste ironia. É, meus amigos, só sabe quem já sofreu".