Busato: Judiciário precisa se modernizar
Nos bastidores da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o advogado especialista em Direito Empresarial, Roberto Busato, assistiu, na última semana, a uma das mais importantes vitórias da instituição que administra: a aprovação da Reforma do Judiciário. Aos 49 anos e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Busato tornou-se ferrenho defensor da Reforma, contrapondo-se aos ministros-chefes dos tribunais superiores do País. No último dia 5, durante a posse do novo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Edson Vidigal, Busato não poupou críticas à política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta entrevista ao jornalista João Cláudio Netto, do Jornal de Brasília, o presidente da OAB falou, entre outros temas, da necessidade de mudanças na estrutura do Poder Judiciário.
P - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Maurício Corrêa, já comentou que a reforma do Judiciário não vai resolver os problemas da Justiça. O senhor concorda com essa avaliação?
R - Não concordo. Eu acredito que a Reforma, embora não seja a ideal, deve iniciar sim uma mudança no Poder Judiciário. Não é só a Reforma que está sendo implementada, mas, ao lado disso, há uma reforma infraconstitucional. Por outro lado, essa discussão ampla que está sendo feita pela mídia sobre a Reforma deve mudar um pouco a mentalidade da magistratura brasileira. Talvez ela vá se sentir na obrigação de mudar conceitos, mudar posturas e modernizar o seu pensamento.
P - O senhor falou em modernização. O Judiciário brasileiro se tornou acomodado?
R - Sim. O Judiciário brasileiro perdeu, em alguns setores, a noção de que existe em função do povo, do cidadão, e não para si próprio. Temos que conseguir um instrumento que possa desafogar os tribunais superiores, mas não é cortando o acesso do povo que vai se resolver o problema.
P - Qual seria a solução então?
R - Nós defendemos a súmula impeditiva de recursos. Ela limitaria o acesso do maior litigante desse País que é o poder público. O particular não é o causador do acúmulo dos processos, é o poder público. Poderíamos ter súmulas para disciplinar os recursos do poder público, que o impedissem de estar a todo instante recorrendo de decisões contra si.
P - O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse em certa ocasião que a súmula vinculante criaria a "ditadura do STF"...
R - Pouca gente repercutiu essa declaração do ministro. Outro problema grave da súmula é o novo viés que vai se aplicar sobre o Congresso Nacional. Já existe o viés da medida provisória, que o poder Executivo legisla em detrimento do Legislativo, e agora vamos ter também o poder normativo do STF legislando. A súmula vinculante tem quase a força de uma lei e só pode ser revista em situações muito especiais.
P - Os senadores foram praticamente unânimes ao defender o controle externo, mas a súmula vinculante acabou dividindo até mesmo a bancada do PT. O que ocorreu então?
R - Acho que houve um lobby muito forte de alguns setores da magistratura sobre a Comissão de Constituição e Justiça no sentido de se aprovar esse mecanismo baseado em números. Se olharmos o número frio, algo tem que acontecer, mas o Senado não pode julgar em cima de números, tem de julgar em cima do instrumento que está em jogo.
P - O Executivo promete tentar restaurar a perda sofrida pelo órgão responsável pelo controle externo, o Conselho Nacional de Justiça, da prerrogativa de demitir juízes envolvidos em irregularidades. Foi uma perda muito considerável em relação ao texto original?
R - Sim. Creio que nada pode deixar de ser levado ao Poder Judiciário. Uma decisão de demitir um juiz poderá sofrer revisão pelo próprio Judiciário. Outro argumento contra o controle é o critério da vitaliciedade, mas esse argumento não prospera. No momento em que o juiz cometer um ato indigno e sofrer processo pela corregedoria, vai se chegar a perda do cargo também e se quebrará o princípio da vitaliciedade.
P - Então qual a diferença?
R - Acho que seria muito mais transparente dar esse poder ao controle porque ele está sendo colocado para controlar o Poder Judiciário exatamente no aspecto ético, moral e disciplinar. Por que retirar essa prerrogativa se um eventual juiz que se sentir prejudicado poderá recorrer ao Judiciário? Qualquer um pode ir ao Judiciário a qualquer instante. O órgão externo teria a possibilidade de promover um julgamento imparcial do magistrado.
P - A discussão em torno do controle externo do Ministério Público veio à tona por conta do escândalo do subprocurador da República Santoro. O senhor também é favorável ao controle do MP?
R - Sim, e não é por conta deste caso específico. Inclusive este assunto já está dentro do projeto, essa reverberação sobre o caso do Santoro, para controle externo do MP, não tem nenhum sentido. Usar o caso é se aproveitar de um desvio de conduta de um servidor para tentar por aí diminuir o outro lado do problema que é o escândalo dentro da Casa Civil.
P - Se houvesse o controle externo da Justiça ou do MP, casos como o do subprocurador Santoro ou do juiz Rocha Matos (João Carlos da Rocha Matos, juiz federal, suspeito de participar de um esquema de venda de sentenças judiciais) teriam sido evitados?
R - Acho que haveria um órgão com muito mais sensibilidade para apurar esses fatos, denunciá-los e chegar a essa realidade, pelo menos para que não se tornassem de forma sistemática. O caso do juiz Rocha Matos é emblemático, típico da falta de absoluto controle interno da parte da magistratura.
P - O caso Santoro retomou a discussão sobre a Lei da Mordaça. Seria o caso de sua instituição?
R - A Ordem é contrária à Lei da Mordaça, mas sempre com o alerta de que a investigação tem que ser feita dentro do processo, e não na mídia, como fazem alguns procuradores. O controle do MP poderá disciplinar, resolver e adequar essa tendência negativa que, às vezes, o MP tende a praticar.
P - A maior polêmica no que diz respeito ao controle externo é quanto à composição do órgão responsável pelo controle. Os tribunais defendem a presença somente de magistrados ao passo que a proposta do governo inclui pessoas de fora da magistratura. O ideal é mesmo que tenha pessoas externas?
R - Não posso entender essa matemática de controle externo só com pessoas internas. O órgão já está sendo constituído por nove magistrados e seis que são externos à magistratura, mas não o são ao Poder Judiciário. Querem o controle externo só com pessoas internas, então não seria controle externo, mas sim uma grande corregedoria.
P - A composição do conselho traz duas pessoas indicadas pelo Parlamento. Não seria uma interferência entre os poderes? Não há o risco de uma politização desse órgão?
R - Não acho que haja politização, nem acredito em interferência. Faz parte do equilíbrio de poderes o controle por poderes externos. O TCU controla o Executivo em relação às verbas. O controle externo que o povo faz sobre o Executivo por meio das eleições, o controle do Legislativo sobre o Executivo via CPIs, são modalidades de controle externo. Nunca foi falado que o TCU interfere na independência dos poderes e ele atua em cima de todos eles.
P - Fugindo desses assuntos. Recentemente, a OAB fez uma avaliação sobre os cursos de Direito e o resultado não foi nada satisfatório. Por que há uma proliferação tão grande desse curso?
R - Por conta do lucro fácil. O curso de Direito dá uma ampla possibilidade de carreiras. É um curso que não depende de muito capital para sua instalação. Ao par disso, há uma política altamente liberalizante e desastrosa do Ministério da Educação, que abriu as porteiras para a existência de péssimos cursos de Direito.