OAB ajuíza Adin para manter advogado nos Juizados Especiais

quarta-feira, 17 de março de 2004 às 12:21

Brasília 17/03/2004 - O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil acaba de ajuizar no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) com pedido de liminar de nº 3168, na qual pede a suspensão de dispositivo da Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal. Na Adin, a OAB pretende que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 10 da referida lei, que admite a dispensa dos advogados das partes nos processos julgados nesses juizados. A OAB quer restabelecer a obrigatoriedade da designação de advogado como representante das partes, conforme prevê a Constituição Federal.

O artigo 10º da Lei dos Juizados Especiais, contra a qual a OAB se insurge, prevê que “as partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não”. No entendimento da OAB, o dispositivo contraria o artigo 133 da Constituição, que estabelece que o advogado é indispensável à administração da Justiça, e atenta contra o direito de acesso à Justiça, previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição.

O dispositivo viola também, ainda na opinião da OAB, a garantia do devido processo legal e do direito de defesa, prevista nos incisos LIV e LV da Constituição, e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, estabelecidos no artigo 1º da Constituição Federal.

“Na medida em que o advogado é indispensável à administração da Justiça, resta claro que o acesso que se garante a ela e o direito que se consagra ao devido processo e à ampla defesa devem ser feitos por meio do advogado. Quando se permite o afastamento do advogado do processo, todas essas prescrições normativas restam maculadas”, afirma a OAB no texto da Adin.

A Adin ajuizada hoje pela OAB foi solicitada ao Conselho Federal da Ordem pelas Seccionais do Distrito Federal, Paraná e Pernambuco. A conselheira federal Fides Angélica Ommati, da Seccional da OAB do Piauí, foi a relatora designada do processo no Conselho Pleno e concluiu pelo ajuizamento da Adin por considerar que a Lei contraria o artigo 133 da Constituição “quando possibilita a representação legal da parte para atos privativos da advocacia por terceiro e não por advogado”. O relatório e voto de Fides Angélica foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Federal da OAB.

A primeira solicitação para apresentação da Adin contra dispositivo da Lei dos Juizados Especiais na Justiça Federal foi apresentada pela Seccional da entidade do Paraná, seguida por manifestações no mesmo sentido das Seccionais de Minas Gerais e do Distrito Federal.

Veja a seguir a íntegra da Adin:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, serviço público dotado de personalidade jurídica, regulamentado pela Lei 8906, com sede no Edifício da Ordem dos Advogados, Setor de Autarquias Sul, Quadra 05, desta Capital, por meio de seu Presidente (doc. 01), e advogado constituído (doc. 02), vem, nos termos do artigo 103, VII, da Constituição Federal, ajuizar
ação direta de inconstitucionalidade,
com pedido de liminar,

contra o artigo 10 da Lei federal 10.259, de 12 de junho de 2001, que “dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal” (doc. 03), cuja redação é a seguinte:
“Art. 10 As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não.
§ único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais.”

O preceito impugnado ofende os artigos 1º; 5º, caput, incisos XXXV, LIV, LV e 133 da Constituição Federal.
A lei dos juizados especiais federais prevê, em seu artigo 2º, deterem tais órgãos competência para julgarem crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos. Por sua vez, seu artigo 3º estabelece que nos juizados também serão julgadas causas de até 60 salários mínimos.
Do exame dos artigos 2º, 3º e 10 da Lei 10.259 conclui-se que a norma dispensa advogados para substancial parcela de crimes e significativo número de causas civis. Com efeito, o artigo 10, em seu caput, é expresso ao prever que os representantes das partes poderão ser advogados ou não.
A dispensa do advogado nas hipóteses acima atenta contra a indispensabilidade do advogado, prevista no artigo 133 da Constituição; contra o direito de acesso à Justiça, previsto no artigo 5º, XXXV, da Lei Fundamental; contra a garantia do devido processo legal e do direito de defesa, previstas nos incisos LIV e LV da Lei Maior e contra o Estado de Direito e o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, previstos no artigo 1º da Constituição da República.
A Constituição estabelece ser o advogado indispensável à administração da justiça (art. 133). O referido preceito constitucional encontra-se, aliás, dentro do capítulo que trata das funções essenciais à Justiça.
Por sua vez, garante a Lei Maior ao nacional e estrangeiro residente o direito de acesso à Justiça, o direito ao devido processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa, definindo-os como direitos fundamentais.
Na medida em que o advogado é indispensável à administração da justiça, resta claro que o acesso que se garante a ela e o direito que se consagra ao devido processo e à ampla defesa devem ser feitos por meio de advogado. Quando se permite o afastamento do advogado do processo, todas essas prescrições normativas restam maculadas.
A indispensabilidade do advogado não pode ser afastada pela lei. O artigo 133 da C.F. quando estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”, não autoriza tal conclusão. “Nos limites da lei” há de se referir apenas à inviolabilidade, jamais à indispensabilidade. Indispensável não admite dispensabilidade nos limites da lei, porque o que é indispensável não admite hipóteses de dispensa. A inviolabilidade, ao contrário, pode ser limitada a certos casos. Tal conclusão deriva da natureza dos termos.
Caso fosse possível, porém, estabelecer-se a dispensa do advogado “nos limites da lei”, é certo que na hipótese em exame tal afastamento feriu os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, garantidos pelo artigo 1º da C.F. e pelo artigo 5º, inciso LIV.
Os juizados especiais têm por fim propiciar maior acesso à Justiça, à realização do justo. Esse é seu escopo constitucional.
A norma impugnada, por sua vez, considerou que o advogado pode embaraçar esse acesso, assim como a realização do justo (fim de Justiça). Somente isso justifica seu afastamento.
Para remover aquilo que abusivamente considerou um “estorvo”, a lei dispensou o advogado em causas de alto valor (até 60 salários mínimos) e em processos penais relativos a grande gama de delitos.
Ocorre, entretanto, que a justiça se faz por meio do Direito, cuja complexidade de aplicação aumenta na medida em que há demandas de maior valor e crimes apenados com pena de até dois anos de cárcere.
A atuação do técnico no Direito em tais hipóteses, reclama a própria Constituição, é necessária, sob pena de não se atingir o fim de se administrar devidamente a justiça. Daí, houve manifesto excesso por parte da norma impugnada ao dispensar o advogado para todo e qualquer feito que corra perante os juizados especiais federais, para toda e qualquer demanda em curso em verdadeiro segmento do Judiciário. Com efeito, “o princípio da conformidade ou adequação” (subprincípio do princípio da proibição de excesso) “impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins subjacentes” (Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedida, 2a edição, pág. 262). A medida adotada, na espécie, porém, não é apropriada à prossecução do fim realizar justiça. Vulnerou-se, pois, desse modo, o princípio da proporcionalidade e razoabilidade.
Houve, acrescente-se, quebra da isonomia, com atentado ao caput do artigo 5º da Lei Fundamental.
Na justiça comum estadual o advogado foi dispensado, nos juizados especiais, para causas cíveis de até 20 salários mínimos (art. 9º da Lei 9.099) e para as infrações penais nas hipóteses em “que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano” (art. 61 da Lei 9.099).
Indaga-se: justifica-se o tratamento não isonômico prestado às causas de competência da justiça comum estadual e da Justiça Federal ? As demandas de competência da Justiça Federal são menos complexas, a legitimar a dispensa do advogado em extensão mais ampla ?
Celso Antônio Bandeira de Mello, in “O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, 2a edição, Editora Revista dos Tribunais”, págs. 27 e 28, em capítulo destinado a fixar os “Critérios para identificação do desrespeito à isonomia”, assiná-la:

“Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é “in concreto”, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional.”

Ora, não há qualquer fundamento lógico para o traço desigualador acolhido pelo legislador para dispensar diferentemente advogado nas questões em curso perante a Justiça Federal e a justiça comum estadual. Houve atentado ao princípio da igualdade.
Sob outro aspecto, ainda, a regra do tratamento isonômico também foi atingida. Nas questões penais nos Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal a acusação se faz por profissional formado em Direito e de alto gabarito técnico. Quando se admite a defesa sem advogado, porém, a paridade de armas (consectário do princípio da igualdade), que regra o processo criminal, acaba por ser maculada. A propósito:

RMS 21884 / DF - DISTRITO FEDERAL
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Relator: Min. MARCO AURÉLIO

Ementa

“(...) DEVIDO PROCESSO LEGAL - PARTES - MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFESA - PARIDADE DE ARMAS. Acusação e defesa devem estar em igualdade de condições, não sendo agasalhável, constitucionalmente, interpretação de normas reveladoras da ordem jurídica que deságüe em tratamento preferencial. A "par condicio" é inerente ao devido processo legal (ADA PELLEGRINI GRINOVER). (...)”
Em conclusão. Por violência aos artigos 1º; 5º, caput, incisos XXXV, LIV, LV e 133 da Constituição Federal o artigo 10 da Lei federal 10.259 deve ser declarado inconstitucional.

Liminar

Impõe-se a concessão de medida liminar, não apenas por critérios de periculum in mora, como em face de conveniência imediata da suspensão da norma.
A ausência de advogado prejudica a administração da justiça nos Juizados Especiais Civis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Nacionais e residentes domiciliados no país são prejudicados dia a dia pela ausência de defesa técnica. Demandas que poderiam ser vencidas contra a União e as demais entidades paraestatais acabam por ter desfecho desfavorável ao lesado. Réus que poderiam ser absolvidos acabam condenados.
Tais prejuízos, graves e relevantes, irreversíveis, ante o advento da coisa julgada, exigem a suspensão do comando fustigado.

Pedido

Por todo o exposto, pede o autor seja suspenso liminarmente o artigo 10 da Lei federal 10.259, de 12 de junho de 2001.
Pede, ao final, seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 10 da Lei federal 10.259, de 12 de junho de 2001.
Requer seja citado o Advogado-Geral da União, nos termos do artigo 103, § 3o, da Constituição Federal, para defender o ato impugnado, na Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto, Anexo IV, em Brasília, Distrito Federal.
Requer, outrossim, sejam oficiados o Presidente da República e do Congresso Nacional para prestarem informações no prazo legal.
Protesta pela produção de provas porventura admitidas (art. 9o , §§ 1o e 3o da Lei 9.868).
Dá à causa o valor de mil reais.

Brasília, 10 de março de 2004.

Roberto Antônio Busato
Presidente do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil

Marcelo Mello Martins
OAB DF 6541