Vladimir propõe discussão de PEC da reforma tributária pela OAB Nacional
Brasília, 26/11/2008 - A controvertida Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma tributária, submetida pelo governo Lula à apreciação do Congresso Nacional, deverá ser um dos grandes temas em debate na última sessão plenária deste ano do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil , marcada para os próximos dias 7 e 8. Em documento encaminhado hoje ao presidente nacional da OAB, Cezar Britto, o vice-presidente da entidade, Vladimir Rossi Lourenço, propõe a discussão do tema ao alinhar o que chamou de "inquietações" quea proposta dareforma tributária - cujo parecer do relator já foi aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados - está provocando na sociedade. "São algumas inquietações dentre tantas que dizem de perto com a vida do cidadão brasileiro e que, no meu modesto entendimento, implicam em violação a princípios constitucionais", afirma Vladimir ao sugerir um debate técnico e imparcial do Conselho sobre a questão.
No texto em que propõe o debate, o vice-presidente da OAB Nacional, que é tributarista, fazcomentários críticos aos principais pontos da PEC, que segundo ele continuam "apresentando dúvidas ainda não adequadamente dirimidas". A começar pela criação do Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F). Ele alerta, entre outras preocupações, para o fato de que a proposta do governo "está a desconstruir o sistema de seguridade tal qual traçado no texto constitucional, reduzindo fontes autônomas de receita, passando o texto a ostentar fonte de custeio independente apenas para a previdência". E acrescenta: "A centralização que resulta da reforma amesquinha a seguridade como construída".
Vladimir Rossi Lourenço analisa também o novo Imposto de Renda Pessoa Jurídica previsto pela PEC, o qual incorporará a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que será extinta. Destaca que ao instituir adicionais de tributação IRPJ por setor de atividade econômica, ele complica a sistemática tributária das empresas e, por isso, tem grande potencial para gerar demandas judiciais e deve enfrentar dificuldades de aprovação no Senado.
Com relação ao novo ICMS previsto na proposta do governo, o vice-presidente da OAB faz uma análise mais detalhada sobre as implicações de um modeloque altera a atual sistemática de tributação da mercadoria na origem, como é hoje. O ICMS passará a incidir no Estado de destino da mercadoria e sua legislação deixa de ser estadual para ser da alçada da União. Para Vladimir, "sem que o Estado tenha autonomia para legislar sobre o assunto, não só poderá acarretar problemas o mais das vezes insolúveis, como revela, neste caso, a grave agressão a autonomia estadual e, por decorrência, ao pacto federativo".
Em sua proposta encaminhada a Cezar Britto para um exame da matéria pelo Conselho Federal da OAB, Vladimir conclui com uma análise dospontos referentes à desoneração da folha de salários - mediante extinção do salário educação - eà redução da contribuição patronal para a Previdência e Assistência Social. No primeiro caso, ele adverte para o risco de a PEC "onerar ainda mais e mais o consumo". No tocante à contribuição para a Previdência, considera que este não é tema para proposta de emenda constitucional.
A seguir, a íntegra do documentoencaminhado a Cezar Brittopelo vice-presidente nacional da OAB sugerindo a discussão da PEC da reforma tributária:
"VladimirRossi Lourenco, brasileiro, casado, advogado, inscrito nos quadros da OAB/MS sob n. 3674, Conselheiro Federal na representação da Seccional da OAB de Mato Grosso do Sul, ocupando o cargo de Vice-Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, expor e a final requestar a manifestação do Conselho Pleno do CFOAB sobre o quanto segue:
Nos termos do artigo 44, I, da lei n. 8906/94, dentre as finalidades da OAB encontramos, sem que isso se apresente como ordem hierárquica de importância, o dever de defender a Constituição e a justiça social, dentre outros.
Pois bem, no momento que se põe em pauta a intitulada reforma constitucional tributária (do dia 20 para o dia 21 de novembro próximo passado a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou parecer do relator), nada mais oportuno que açular esse E. Conselho a se manifestar sobre o tema.
Bem a propósito compartilho algumas preocupações que, sobre não se constituirem em verdade absoluta, servem como ponto de partida para um debate que se pretende técnico e imparcial.
De cotio se ouve aqui e acolá que a reforma tributária é a redenção dos problemas fiscais por que passa o Estado brasileiro. Por isso se apresentou proposta de emenda constitucional em 2004 (PEC 285) que brandia em sua mensagem os mesmos pressupostos da PEC 233, encaminhada em 2008, e que tramita sob o n. 31-A de 2007 (reunião das PECs 45, 91, 106, 129, 165, 166, 167 de 2007 e 219, 225, 226, 227, 230, a própria 233 e 242 de 2008) a saber: simplificação do sistema tributário; desoneração da folha de salários; eliminação de distorções e guerra fiscal; justiça fiscal; redução da carga tributário e incremento da atividade econômica.
É cediço que o sistema tributário brasileiro tem forte potencial em termos de arrecadação, na medida em que atinge o coeficiente anual em torno de 37% do Produto Interno Bruto, típica arrecadação de país de primeiro mundo, carga tributária essa bastante elevada se confrontada com os índices de arrecadação dos países em desenvolvimento, na casa dos 28% do PIB desses países.
Pois bem, passando em revista o texto da proposta de reforma, depois de apreciada pela comissão especial (parecer incluso) algumas dúvidas ainda não foram adequadamente dirimidas.
Em estreita síntese a reforma se assenta nos seguintes e principais pontos, que passo, também sinteticamente, a comentar:
a) Criação do IVA-F (Imposto sobre Valor Adicionado Federal) em substituição (por extinção simples) da COFINS, do PIS, da CIDE e do Salário Educação.
Comentário: A emenda extingue contribuições sociais e econômicas incidentes sobre o faturamento das empresas. Transforma em imposto recursos que tinham destinação reservada e específica para a seguridade social (as contribuições sociais) e para interesses fixados em lei (as contribuições sobre domínio econômico). Ainda que tenha fixado percentual do produto da arrecadação desse novo imposto somados a uma base ampla destinados à seguridade, certo é que se está a desconstruir o sistema da seguridade tal qual traçado no texto constitucional, reduzindo fontes autônomas de receita, passando o texto a ostentar fonte de custeio independente apenas para a previdência. A centralização que resulta da reforma amesquinha a seguridade como construída. De mais a mais, trocam-se os recursos que eram obtidos pela incidência sobre renda das empresas por recursos que advirão de um imposto que não se sabe como será criado (a materialidade é amplíssima) e qual será a sua alíquota, mas se sabe que por gozar da característica da não-cumulatividade, repercutirá, vale dizer, o encargo financeiro será repassado ao consumidor final, onerando mais e mais o universo de consumidores brasileiros, que suportarão com seu esforço o "incentivo" que se pretende dar às empresas, em face da extinção daquelas contribuições.
De mais a mais, a legislação sobre PIS e COFINS foi alterada nos anos de 2002 e 2003 visando criar para as empresas tributadas pelo lucro real uma incidência sobre valor agregado, gerando crédito nas operações anteriores. A emenda, como anuncia, pretende ampliar essa não-cumulatividade. Para isso, como se sabe, não precisaria modificar o texto constitucional, dado que lei (complementar ou ordinária) poderia servir de veículo a esse desiderato.
Alguns sustentam que a tributação sobre valor adicionado (o IVA-F em substituição às mencionadas contribuições) pressionará empresas a se livrarem do custo de suas folhas de pagamento, substituindo-a pela terceirização que poderá gerar crédito. E todos nós sabemos os efeitos da terceirização de mão de obra para os trabalhadores.
b) O novo Imposto sobre a Renda. Extinção da CSLL.
Comentário: A PEC incorpora ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica a Contribuição Social sobre Lucro Líquido, dois tributos que têm como base de cálculo o lucro das empresas. Pretende-se com a extinção pura e simples da CSLL instituir adicionais do IRPJ diferenciados por setor da economia; aliás, o que hodiernamente acontece com a própria CSLL. O risco que se corre é de ordem política. Ainda que se possa sustentar a inexistência de incremento financeiro (aumento do imposto) num primeiro momento, certo é que uma alíquota do IRPJ (para compensar a extinção da CSLL) da ordem de 38%(ou mais...é esta a previsão) provocará efeitos sobre a sistemática de tributação das empresas, e encontrará dificuldades para ser aprovada no Congresso.
Sem o que a criação de adicionais de alíquota do IRPJ provocará inúmeras contendas judiciais, pois, diferentemente do que se tem hoje com a coexistência de um imposto e uma contribuição com naturezas jurídicas distintas, no caso de um imposto apenas com adicionais de alíquotas por setor econômico sempre se poderá sustentar que para igual imposto (critério material) deve-se seguir igual base de cálculo e igual alíquota;
c) O novo ICMS.
Comentário: o ICMS deixa de ser um imposto de competência de cada Estado e do Distrito Federal para ser tornar uma espécie de tributo único, de competência conjunta dos Estados e instituído por lei complementar da União.
Ao contrário do que se tem hoje (onde a arrecadação se dá na origem da operação) o novo ICMS pertencerá ao Estado de destino da mercadoria, remanescendo para o Estado de origem o equivalente a 2% sobre o valor da base imponível.
Ainda diferentemente do que existe hoje, onde a não-cumulatividade é definida no próprio texto constitucional, a definição desse instituto virá por lei complementar que também abrirá exceções para compensação de créditos presumidos. A lei complementar irá estabelecer uma alíquota padrão e fixará algumas alíquotas para exceções.
É o Senado que estabelecerá quais mercadorias e serviços estarão submetidos às alíquotas excepcionais.
Haverá uma estreita margem para que leis estaduais aumentem ou diminuam algumas alíquotas.
Haverá -a exemplo, mas não à semelhança do que existe hoje- um órgão colegiado integrado por representantes dos Estados que irá regulamentar o novo ICMS, dispondo sobre a autonomia residual dos Estados, dentre outras tantas atribuições.
Nossa preocupação radica no fato de que quando se está diante de uma mercadoria ou serviço produzido e consumido dentro do próprio Estado, pouco importa a sistemática de exigência do imposto no destino ou na origem; porém, mesmo nestes casos, dependendo da região, das condições econômicas, do tipo de serviço ou da mercadoria, sem que o Estado tenha autonomia para legislar sobre o assunto, não só poderá acarretar problemas o mais das vezes insolúveis, como revela, neste caso, a grave agressão a autonomia estadual e, por decorrência, ao pacto federativo.
Essa situação mais e mais se agrava na tributação interestadual, pois conquanto se tenha previsto um fundo de equalização da receita-FER (para equilibrar as perdas com a implantação do novo ICMS), a experiência recente nos mostrou que esse sistema não é eficaz (vide lei Kandir), e provocará: perda efetiva de receita para os Estados exportadores líquidos; e divergências concretas para o Estado que adotar sistemática de retenção e repasse através de câmara de compensação (isto somada às sanções de: retenção de transferências voluntárias e intervenção federal para assegurar repasse de créditos, mais acentua a infringência ao princípio federativo, que não coabita com Estados e Municípios dependentes financeiramente da União, como a emenda insiste em indicar).
d) Desoneração da folha de salários, mediante a extinção do salário educação.
Comentário: O salário educação incide sobre a folha de pagamento a uma alíquota de 2,5%. A PEC objetiva extinguir esse tributo, assegurando, todavia, uma parcela do IVA-F que ficará vinculada a esse tipo de despesa.
A substituição de uma tributação direta (2,5% sobre folha) por uma indireta (o IVA-F), resgata a crítica que se fez alhures: a PEC onerará mais e mais o consumo. Nesse aspecto, deve-se salientar que um sistema tributário que está tortuoso, desequilibrado, disforme porque a tributação sobre o consumo já representa 50% do montante arrecado, representando a tributação sobre a remuneração algo próximo de 26% e apenas 3% sobre o patrimônio, restará mais e mais alterada, em prejuízo de toda a sociedade que paga tributo sem mesmo saber o que está pagando, porque não se regulamenta o disposto no parágrafo 5º., do artigo 150 da CF.
e) Redução da Contribuição Patronal para a Previdência e Assistência Social.
Comentário: o mero indicativo de que a legislação irá reduzir a alíquota da contribuição patronal não é tema para freqüentar proposta de emenda constitucional, e por mais de uma razão: e.1) a redução de alíquota de tributos (impostos, taxas, contribuições) é tema infra-constitucional, próprio de lei ordinária, afigurando-se despicienda a sua menção; e.2) a citação no texto constitucional teria o único propósito de contornar a LRF que imporia à lei que reduzir alíquotas, como uma das hipóteses de admissibilidade de espécie de renúncia de receita, a indicação de fontes de compensação, o que não se fez e não se fará ao argumento de que a Emenda teria indicado a redução (tema constitucional) e não a lei; e.3.) se a intenção, como e ouviu, é de reduzir de um (1) a dois (2) pontos percentuais a alíquota que é de 20% e que permitiu em 2007 uma arrecadação de 54 bilhões, isto implica numa redução da receitas da previdência de 2,7 bilhões para cada um (1) ponto percentual reduzido...sem a indicação de fonte de compensação em breve estar-se-á propondo nova reforma previdenciária no que atina ao custeio, o que, convenhamos, não se coaduna com a proposta que pretende ser perene.
Como salientado, estas são apenas algumas inquietações, dentre tantas que a leitura da proposta de reforma constitucional tributária que se encontra em tramitação no Congresso Nacional provoca e que dizem de perto com a vida do cidadão brasileiro, e que, no meu modesto entendimento, implica em violação a princípios constitucionais, caros princípios como assinalado, que venho submeter à análise do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, aguardando a recomendação que se julgar pertinente ao tema".