Editorial: Anistia a João Goulart

sábado, 15 de novembro de 2008 às 07:55

Fortaleza, 15/11/2008 - O editorial "Anistia a João Goulart" foi publicado hoje (15) no jornal O Povo, do Ceará:

O governo federal vai anistiar, neste sábado, em Natal, durante a 20ª Conferência Nacional dos Advogados, o ex-presidente constitucional do Brasil, João Goulart, deposto por uma facção majoritária das Forças Armadas, em 31 de março de 1964 - ato que desencadearia a ditadura que perdurou no Brasil pelos 21 anos seguintes. A cerimônia contará com a presença dos ministros Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) e Tarso Genro (Justiça), além do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cézar Britto.


O fato não poderia deixar de merecer um registro, neste espaço, por sua importância simbólica e política para a vida da Nação. Será uma oportunidade, talvez, para que, sem passionalismos, se inicie uma reavaliação do que tem sido a história política deste País e identificar os pontos falhos que permitiram uma trajetória tão longa de instabilidade e impasses institucionais que fizeram da democracia brasileira apenas um pequeno interregno entre um estado de exceção e outro.


Um fato marcante da história política do Brasil foi a dificuldade de suas elites em absorver o conceito de que a democracia é um regime fundado no pluralismo das idéias e no compromisso de se conviver com visões de mundo divergentes, abrindo espaço para que todas as correntes política e ideológicas possam disputar o poder político, de forma legítima e dentro das regras do jogo democrático e a preferência da vontade da maioria dos cidadãos para seu projeto de sociedade. A partir dessa perspectiva, não pode ser excluído, previamente, quem pensa diferente das posições dominantes.


O Brasil teve chances para por em prática esses princípios, a partir da redemocratização de 1946, depois de ter experimentado as regras selvagens da Primeira República e o obscurantismo liberticida do Estado Novo. Mas, deixou escapar a oportunidade. O regime político de 1946, que parecia inaugurar uma vida democrática similar à vivenciada pelas demais democracias ocidentais, logo se revelou intolerante em relação ao acolhimento do princípio de pluralidade política e ideológica: suprimiu uma das vertentes da disputa ideológica legítima, logo no início da reinauguração democrática, e se entregou a uma prática política conspirativa que levou às crises institucionais de 1954, 1955, 1956, 1961 e 1964, quando retroagiu mais uma vez ao obscurantismo político.


O ex-presidente João Goulart é um exemplo emblemático das conseqüências daquele atraso cultural, pois foi impedido de assumir o poder legítimo que a Constituição lhe conferia, claramente, como vice-presidente eleito, quando da renúncia do titular, em 1961. A razão foi um veto ideológico de uma facção político-militar, por cima da Constituição vigente. Apesar de ter seu mandato reconfirmado pelo povo, através de plebiscito, no ano seguinte, foi deposto pelas mesmas forças que lhe haviam aposto o veto anterior. Agora, a História lhe faz justiça.