Ophir afirma em homenagem no STF que ‘Sepúlveda, hoje, Pertence ao Brasil'

quinta-feira, 02 de outubro de 2008 às 02:00

Brasília, 02/10/2008 - O rico perfil de advogado, professor universitário, procurador e militante das causas sociais foi destacado hoje (02) pelo presidente em exercício do Conselho Federal Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Junior, para enfatizar as qualidades com as quais o ministro José Paulo Sepúlveda Pertence marcou sua atuaçãode magistrado no Supremo Tribunal Federal (STF), durante dezoito anos. Em discurso na homenagem que o STF prestou hoje ao ministro por sua aposentadoria, Ophir salientou que Pertence constitui uma espécie de marco divisório na atuação daquela Corte, "tornando-a mais próxima da sociedade". Discursaram também na sessão dehomenagem a Pertence a ministra do STF, Cármen Lúcia, em nome da Corte, e o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.

Ophir Cavalcante Junior encerrou a homenagem, falando em nome da OAB Nacional, fazendo um trocadilho com o nome do ministro. "O Pertence de seu nome, além do apelido familiar, que sempre honrou, traduz, ao reverso, o sentimento de solidariedade de alguém que deixou de pertencer a si próprio, para pertencer à história da Justiça e da defesa das liberdades democráticas do País. Sepúlveda. Hoje, Pertence do Brasil", afirmou ele, sob aplausos do plenário lotado do Supremo.


Nomeado em 1989, pelo primeiro governo civil e democrático do País, após duas décadas de ditadura militar, o ministro Sepúlveda Pertence foi responsável por promover profunda revisão na jurisprudência do Supremo, face à promulgação da Constituição de 1988 - lembrou o presidente em exercício do Conselho Federal da OAB, durante a cerimônia em homenagem. Até a chegada de Pertence - continuou Ophir - prevalecia, na construção da doutrina do Supremo, a orientação conservadora, estabelecida e cristalizada no curso do regime militar.


"Com sua vivência de advogado e ex-membro do Ministério Público, Pertence comandou a desconstrução do pensamento autoritário que conduzia o Supremo Tribunal Federal", afirmou."Contrapôs-se à cultura jurídica anacrônica vigente - e não hesitou em colocar seu notório saber a serviço da cidadania. E o fez com as armas da sabedoria e do conhecimento, tornando-se referência dentro e fora da instituição - e não apenas do ponto de vista técnico-jurídico, mas também ético e moral".


O presidente em exercício da OAB Nacional observou, em seu pronunciamento, que ao lado da capacidade intelectualtambém a coragem cívica e pessoal de Pertence é admirada pela advocacia há muito tempo. Ele destacou a atuação de Pertence quando era vice-presidente do Conselho Federal da OAB e a secretária da entidade, Lyda Monteiro da Silva, foi covardemente assassinada, vítima de uma bomba, em 27 de agosto de 1980. "Nesse processo, foi de grande relevância o papel que Pertence desempenhou, na denúncia do gesto desesperado da ditadura e na defesa das conquistas já obtidas pelo movimento da redemocratização", sustentou Ophir.


A seguir, a íntegra do discurso do presidente em exercício do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Junior, na homenagem ao ministro:


"Excelentíssimo Senhor Presidente,


Excelentíssimos Senhoras e Senhores Ministros, demais autoridades presentes,


Senhoras e senhores


É com muita honra que, na condição de Presidente em exercício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em virtude da ausência do país do eminente Presidente Cezar Britto, tenho a ventura de poder participar desta sessão solene, em homenagem à admirável figura de José Paulo Sepúlveda Pertence, que se aposentou no ano passado.


Trata-se de personagem singular no universo do Direito, pois nele transitou por todos os seus segmentos: foi professor universitário, procurador, advogado e magistrado - e, nessa condição, presidiu esta corte, em que deixa para a posteridade a marca de sua indelével atuação.


Mineiro de Sabará, o ministro Sepúlveda Pertence formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi professor auxiliar e adjunto na Universidade de Brasília.


Em 1963 foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para membro do Ministério Público do Distrito Federal, tendo exercido a função até outubro de 1969, quando foi aposentado pela Junta Militar, com base no AI-5.


Nomeado Procurador-Geral da República, em 15 de março de 1985, exerceu cumulativamente as funções de procurador-geral eleitoral e de membro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.


Antes mesmo de tornar-se figura pública, esteve sempre ao lado de grandes nomes do Direito. Aqui, no Supremo Tribunal Federal assessorou o ministro Evandro Lins e Silva, entre 1965 e 1967. Ainda estudante, foi auxiliar docente dos professores Victor Nunes Leal e Waldir Pires.


Não lhe faltam, pois, vertentes biográficas ricas e ilustrativas a explorar. Opto, porém, por concentrar-me em sua atuação aqui, nesta Corte.


Nomeado, em 1989, pelo primeiro governo civil e democrático, após duas décadas de ditadura militar, enfrentou o desafio de promover profunda revisão na jurisprudência do Supremo, em face da promulgação da Constituição de 1988.


Nada mais oportuno, pois, neste momento em que celebramos os 20 anos de nossa Carta Magna, que recordar o papel que Sepúlveda aqui exerceu, na seqüência daquela promulgação.


Coube-lhe a elevada tarefa de dar conteúdo social efetivo à interpretação da nova ordem constitucional. Até a sua chegada, como todos se recordam, prevalecia, na construção da doutrina do Supremo Tribunal Federal, a orientação conservadora, estabelecida e cristalizada no curso do regime militar.


Não posso deixar de concordar com o presidente Gilmar Mendes quando disse, por ocasião da sessão que celebrou os 18 anos de investidura de Pertence nesta Corte, que (aspas) "o seu papel mais decisivo é a contribuição que deu à humanização do direito penal e processual penal constitucional. Cumpriu papel decisivo e fez com que o STF passasse para a história com uma visão mais humanista desse direito." (fecha aspas)


Com sua vivência de advogado e ex-membro do Ministério Público, Pertence comandou a desconstrução do pensamento autoritário que conduzia o Supremo Tribunal Federal.


Era então, por sua densa vivência no campo do Direito, o mais abalizado para fazê-lo.


Contrapôs-se à cultura jurídica anacrônica vigente - e não hesitou em colocar seu notório saber a serviço da cidadania.


E o fez com as armas da sabedoria e do conhecimento, tornando-se referência dentro e fora da instituição - e não apenas do ponto de vista técnico-jurídico, mas também ético e moral.


Para nós, advogados, não era novidade. Já o tínhamos como paradigma em nossa profissão. Suas sustentações orais eram lições preciosas de ética, justiça, direito e oratória. Sua visão humanista a todos sensibilizava.


Da mesma forma, também já admirávamos sua coragem pessoal, sua rica biografia, em que figuram defesas gratuitas e desassombradas a perseguidos políticos do regime militar.


No âmbito da OAB, pôde demonstrá-la num momento delicado da história do Brasil. Era ele o vice-presidente do Conselho Federal quando foi covardemente assassinada dona Lyda Monteiro da Silva, secretária da Presidência de nossa entidade, em 27 de agosto de 1980.


Vítima de uma bomba, colocada na sede da Ordem, que naquele tempo funcionava no Rio de Janeiro, sua morte chocou o Brasil.


A OAB, então mobilizada por lideranças como Pertence e Raymundo Faoro, comandava as lutas populares em prol da redemocratização.


E essa resistência pôs em guarda a linha-dura do regime militar, que apelou para o terror, na expectativa de intimidar a sociedade civil. Mas o efeito foi exatamente contrário. A agressão intensificou a mobilização social contra o regime autoritário.


Nesse processo, foi de grande relevância o papel que Pertence desempenhou, na denúncia ao gesto desesperado da ditadura e na defesa das conquistas já obtidas pelo movimento de redemocratização, que protagonizaria ainda campanhas memoráveis, como a das Diretas Já e a da Constituinte.


Foi esse rico perfil de advogado, procurador e militante das causas sociais que Pertence trouxe para o Supremo. Jamais envolveu-se no varejo da política. Não teve partidos, o que não quer dizer (muito pelo contrário) que não tomasse parte nas lutas políticas e sociais que então se apresentavam.


Mas sua causa era - e é - a cidadania. E foi isso que aqui ele demonstrou.


Sua ação renovadora tornou o Supremo mais aberto, mais contemporâneo, mais cidadão, em sintonia com o espírito da nova ordem constitucional, que tinha - e tem - no título dos Direitos e Garantias Fundamentais seu ponto alto, em contraste com a ordem autoritária anterior, toda fundada no fortalecimento do Estado.


Até então, falava-se em Estado de Direito. A partir de Pertence, fala-se em Estado Democrático de Direito. E o acréscimo desse adjetivo faz imensa diferença, firmando compromisso claro com a ética, o Direito e a liberdade. É o adjetivo a serviço do substantivo.


Citam-se múltiplas iniciativas do Pertence magistrado na defesa da cidadania e em oposição à visão imperial do Estado.


Aqui, no STF, convenceu seus colegas ministros de que as centrais sindicais e as federações de sindicatos têm legitimidade para questionar a constitucionalidade de leis nesta Corte.


Outra mudança que promoveu na doutrina do STF foi a vedação a que se ajuízem ações de cobrança de impostos enquanto o débito ainda estiver sendo discutido administrativamente.


Como se recorda, anteriormente vigia regra absurda que permitia que o contribuinte fosse condenado na Justiça antes de ser informado de que nada devia ao fisco. Pertence levou anos para convencer seus pares da necessidade dessa mudança, mostrando-se, mais uma vez, doutrinador paciente e obstinado.


Outra decisão relevante que, agora, está inserida na Constituição Federal, foi a de reconhecer a competência da Justiça do Trabalho à apreciação de danos morais decorrentes de acidente de trabalho. Antes, como todos sabem, essa competência era da Justiça Comum, tendo Pertence atribuído essa competência aos Juízes do Trabalho a partir do princípio de que se trata de ação decorrente da relação empregatícia.


Esse o perfil de juiz-cidadão que moldou ao longo dos 18 anos em que serviu a esta Corte, tornando-a mais próxima da sociedade.


A OAB sente-se honrada em tê-lo tido em seus quadros dirigentes e, ao tempo em que lamenta sua aposentadoria, festeja seu retorno à condição de advogado, que, a rigor, jamais deixou de ser.


Personificou, mesmo quando na magistratura, a máxima de Piero Calamandrei, segundo a qual (aspas) "o juiz é o que sobra do advogado".


Entenda-se essa máxima na explicação de seu próprio autor, que não deprecia, muito ao contrário, a magistratura. Diz ele (aspas): "O advogado é a fervente e generosa juventude do juiz; o juiz é a velhice repousada e ascética do advogado."


O sistema inglês, que recruta magistrados entre advogados experientes, é a confirmação prática dessa transição psicológica.


Concluo minhas palavras reiterando o enorme apreço da OAB e da advocacia à figura deste missionário da Justiça que é José Paulo Sepúlveda Pertence. Aposenta-se o magistrado, mas permanece na ativa o cidadão, o humanista, o jurisconsulto, a quem todos nós - advogados, juízes, homens públicos - continuaremos a recorrer, em busca de conselhos e orientação.


Caro Ministro Sepúlveda. Pertencer a alguém é algo que não se compraz com a sua história de vida. O Pertence do seu nome além do apelido familiar, que sempre honrou, traduz, ao reverso, o sentimento de solidariedade de alguém que deixou de pertencer a si próprio, para pertencer à história da Justiça e da defesa das liberdades democráticas deste país. Sepúlveda. Hoje, Pertence do Brasil.


Que Deus o ilumine.


Muito obrigado".