Artigo: Um combate dentro da lei
Vitória (ES), 01/08/2008 - O artigo "Um combate dentro da lei" é de autoria do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto e foi publicado no jornal A Gazeta, do Espírito Santo:
"O projeto de lei 36/2006, que garante a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, não é o que dele se está dizendo e precisa, portanto, ser sancionado. Os que insistem em apresentá-lo como instrumento da impunidade ou não o leram ou desprezam o direito de defesa, sem o qual não há democracia, nem civilização digna desse nome. As críticas partem de um equívoco: o de que a inviolabilidade se daria de maneira irrestrita, instituindo um privilégio para os profissionais da advocacia. Não é verdade. A referida lei admite, sim, mandado de busca e apreensão contra os escritórios de advocacia, desde que haja indícios de cumplicidade do advogado com o crime, hipóteses delineadas nos parágrafos 6º, 7º e 8º do artigo 2º.
O que a lei garante é o direito de defesa, evitando que o advogado seja previamente visto e tratado como infrator, por garantir ao cliente um direito humano elementar. A garantia está em plena consonância com a Constituição Federal, que, no artigo 133, garante ser o advogado "indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". O projeto impõe, exatamente, esses limites.
Permitir, como vem ocorrendo de maneira sistemática, que o Estado-polícia, o Estado-Ministério Público e o Estado-juiz espionem, vasculhem, invadam e destruam a defesa, sem que haja os indícios de envolvimento do advogado com o crime, é fortalecer a lógica autoritária, revogada há 20 anos pela Constituição Federal.
Revogar o direito de defesa sob o pretexto de que alguns advogados cometem deslizes éticos é o mesmo que acabar com a vitaliciedade da magistratura porque alguns magistrados compactuam com a corrupção. Não podem os justos pagar pelos pecadores, sob pena de inverter-se o princípio universal da presunção de inocência, sob o argumento de que existem criminosos e de que precisam ser combatidos.
Nessa hipótese, estaríamos chancelando a prática paranóica de alguns países, que, a pretexto de combater o terror, suprimem liberdades civis elementares e impõem ambiente repressivo, que admite prisão sem mandado e prática de tortura.
Foi essa lógica perversa que levou ao assassinato a sangue frio, pela polícia londrina, em 2005, do brasileiro Jean Charles. Seu crime: era suspeito. Supô-lo criminoso resultou num crime, pelo qual os agressores não responderam, pois o combate ao terror chancela tudo, até a prática do próprio terror. Eis o Estado Policial, que nos últimos dias voltou a freqüentar os noticiários, em um caso semelhante que culminou com a morte, pela polícia americana, do jovem André Martins.
A OAB não compactua com o crime. Tem sido, ao longo de sua história, uma das instituições brasileiras que mais se empenham em combatê-lo. Esse combate, no entanto, tem que se dar dentro da lei. Caso contrário, será ineficaz e resultará no fortalecimento do crime, indicando que a lei é impotente para detê-lo. É a lógica das milícias que infestam as favelas cariocas, aumentando a violência e, ao contrário do que propõem, expandindo a ação do crime."