Os resultados da II Conferência Internacional de Direitos Humanos
Brasília, 14/10/2003 – Distribuída por nove painéis, cinco palestras e três tribunas livres, a II Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizada em Teresina, Piauí, de 10 a 12 de outubro, destacou, em seu documento final, a importância da educação como elemento indispensável à conscientização sobre o tema no País.
Ao discursar na abertura do evento, o presidente nacional em exercício da OAB, Roberto Antonio Busato, reconheceu que no Brasil os direitos humanos ainda são desrespeitados e cobrou das autoridades públicas políticas mais eficazes que permitam o reaparelhamento policial e promovam o bem-estar da sociedade.
O presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Roberto Gonçalves de Freitas Filho, fez também em seu discurso uma dura crítica as violações dos direitos humanos em países do Primeiro Mundo, lembrando a situação dos prisioneiros da base de Guantánamo. “Urge que se condene não apenas Guantánamo mas também as violações de Direitos Humanos que ocorrem no resto da Ilha e em todo o Mundo”, disse.
Leia, abaixo, as principais conclusões da Conferência, a Carta de Teresina e os pronunciamentos de Roberto Antonio Busato e do presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Roberto Gonçalves de Freitas Filho:
Conclusões:
A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ao ensejo do encerramento da II Conferência Internacional de Direitos Humanos, deseja inicialmente expressar os melhores agradecimentos à população de Teresina e do Estado do Piauí pela acolhida aos participantes vindos de diversos lugares do Brasil e do exterior, bem como pelo apoio e engajamento nas atividades destes últimos três dias, quando mais de duas mil pessoas, jovens em sua grande maioria, irmanaram-se na causa dos Direitos Humanos.
Sucederam-se os painéis de debates com a participação de autoridades públicas, especialistas e representantes da sociedade civil. Palestras foram proferidas por renomadas personalidades nacionais e internacionais. Nas tribunas livres, verificou-se a presença de expositores e a manifestação espontânea de um grande número de pessoas.
Em relação à primeira Conferência Internacional, realizada em Brasília no ano de 1997, esta segunda Conferência expressou avanços importantes, sendo exemplo a relevância conferida ao tratamento dos direitos civis e sociais dos povos indígenas. A riqueza do processo de discussão permite, todavia, que se identifique, desde já, a necessidade de a terceira Conferência vir a ampliar o enfoque dispensado a temas de realce no campo dos Direitos Humanos, tais como as questões de gênero e os direitos de gays, lésbicas, travestis e transexuais.
Neste momento de conclusão da II Conferência Internacional de Direitos Humanos, a Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB deseja, por derradeiro, atendendo a oportuna sugestão de integrantes do Movimento Negro do Piauí, dedicar os trabalhos realizados nestes três dias à memória da valorosa mulher negra FRANCISCA DAS CHAGAS DA TRINDADE, que contribuiu com sua vida e sua luta para o fortalecimento e valorização dos afrodescendentes e dos direitos de todos os seres humanos oprimidos e marginalizados.
E é com inspiração no exemplo de FRANCISCA DAS CHAGAS TRINDADE e como fruto da dedicação de todos aqueles que participaram da II Conferência Internacional de Direitos Humanos, que a Comissão Nacional de Direitos Humanos julga por bem dar divulgação à seguinte CARTA DE TERESINA.
Carta de Teresina
Sob o lema “GLOBALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: UM MUNDO JUSTO É POSSÍVEL”, os participantes da II Conferência Internacional de Direitos Humanos, promovida pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com o apoio da Secção da OAB do Piauí, do Governo do Estado e da Prefeitura do Município de Teresina, reuniram-se nesta Capital para debater a atualidade e os desafios da luta em prol da efetividade dos Direitos Humanos e da promoção da Paz.
Encontro marcado pela associação harmônica de reflexão intelectual e fervor militante, a Conferência atestou um cenário de tragédia, no qual a garantia do pleno exercício dos Direitos Humanos, nas suas diferentes dimensões, permanece distante da realidade de milhões de homens e mulheres, no território brasileiro e em âmbito global.
A evolução indiscutível da legislação nacional e internacional de proteção e promoção dos Direitos Humanos infelizmente não tem sido correspondida pela adoção de políticas públicas capazes de lhes conferir efetividade.
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Sob a égide da globalização econômica, estribada no oferecimento de garantias para a livre circulação do capital financeiro especulativo, os governos dos países do mundo – em especial dos países mais pobres e daqueles em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, gestores de sociedades marcadas pela pobreza e desigualdade – revelam-se impotentes na implementação de medidas administrativas e mecanismos institucionais que sejam fator de eqüidade social.
Conscientes desse quadro anêmico de realização dos Direitos Humanos, os participantes da Conferência, indo além da mera constatação, centraram seus esforços na reflexão em torno de idéias e propostas destinadas a propiciar a concretização de princípios que expressam os valores superiores da civilização.
Distribuída por nove painéis, cinco palestras e três tribunas livres, a discussão do temário da Conferência ensejou, assim, a apresentação de um grande número de recomendações, que serão sistematizadas pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB e publicadas no Relatório final da Conferência.
O acompanhamento dos trabalhos realizados nestes três dias permite, no entanto, que se constate desde já a convergência das manifestações no sentido da priorização da educação como elemento indispensável à conscientização sobre os Direitos Humanos e do chamamento do poder público, em suas diferentes esferas, à responsabilidade pela implementação de mecanismos e ações destinados a dar efetividade aos Direitos Humanos.
O grande desafio colocado para a humanidade nesta quadra da história é transformar radicalmente o atual processo de globalização, convertendo-o em instrumento de afirmação dos Direitos Humanos como direitos universais, interdependentes e interrelacionados, NA CERTEZA DE QUE UM MUNDO JUSTO É POSSÍVEL.
Teresina, 12 de outubro de 2003.
Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Pronunciamento do presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Roberto Gonçalves de Freitas Filho:
Senhoras e Senhores,
O ser humano é a grande razão, o grande destinatário e o grande agente do Direito. O ser humano traz a marca indelével e inafastável de uma dignidade que lhe é ontologicamente intrínseca. Nenhum Estado ou Ordenamento tem o poder de dissociar o homem dessa dignidade que traduz a própria condição humana.
Entranhados no homem, os Direitos Humanos dele não podem se afastar. Juntamente com o homem, podem ser perseguidos, violentados e até suprimidos, revogados nunca.
O compromisso do cidadão, do advogado, da sociedade e do Estado é o de garantir o respeito a esses direitos. Fiéis a esse compromisso, estamos aqui, todos nós, conclamados pela OAB, procurando assegurar o permanente respeito ao ser humano na plenitude de sua dignidade. Esta noite grandiosa que inicia os trabalhos da II ª Conferência Internacional de Direitos Humanos não pode começar sem os agradecimentos a tantos que contribuíram para a sua realização. A decisão política da OAB em realizar o evento, a parceria do Governo do Estado do Piauí, a atuação da OAB – Piauí, sob a dedicação de seu Presidente Álvaro Mota, o apoio de diferentes entidades e personalidades, como a Prefeitura, o Sebrae, a Igreja, Faculdades, o Colégio Dom Barreto, o esforço dos servidores da OAB que redobrava o ânimo dos envolvidos, ressalto as figuras do Moura, da Francisca e do Evandro, a ação dos servidores do Estado destacados para nos auxiliar, a criatividade do Alcide Filho que generosamente criou e doou a nossa logomarca, a participação voluntária dos jovens advogados e dos estudantes, faço ainda, por dever de Justiça, especial agradecimento aos Colegas da Comissão Nacional de Direitos Humanos, a todos homenageio na pessoa do Vice-Presidente Marcos Colares, agradeço também o apoio dos colegas de Delegação no Conselho Federal, Profª Fides Angélica e Dr. João Pedro Ayresmorais, tudo isso engrandece o evento, às personalidades internacionais e internacionais, que com suas luzes vem abrilhantar os debates, a todos, principalmente àqueles que não foram mencionados, cujo trabalho anônimo é responsável por essa Conferência, a todos a nossa mais sincera e profunda gratidão.
O mundo moderno vive sob o signo da “globalização”, esse fenômeno vem ocorrendo primordialmente sob a ótica da economia.
O elemento econômico se impôs de tal modo aos demais fatores que subverteu todas as estruturas antes estabelecidas para a convivência dos povos.
No mundo globalizado e pretensamente moderno, surgiu um novo fundamentalismo. O fundamentalismo econômico. Nele, o Dinheiro é o único Deus e o Mercado o seu Profeta.
Em nome do combate ao terrorismo foram sumária e unilateralmente desconsideradas todas as bases do Direito Internacional, aí se incluído a noção de soberania, o princípio da autodeterminação dos povos e o controle multilateral da ONU.
Ninguém aplaude ou pretende justificar o terrorismo. Nós brasileiros, sofremos a perda trágica de Sérgio Vieira de Mello. O remédio que o Direito tem para o terrorismo é o próprio Direito. O julgamento justo, o devido e correto enquadramento legal são medidas mais eficazes e produtivas que a ação juridicamente clandestina comumente posta em mecanismos de exceção, que, em última análise, não passam de simulacro de justiça.. Nesse sentido, o que existe hoje em Guantánamo é um verdadeiro “limbo jurídico” já que os prisioneiros não são considerados como tais, muito embora estejam detidos e virtualmente incomunicáveis. Urge que se condene não apenas Guantánamo mas também as violações de Direitos Humanos que ocorrem no resto da Ilha e em todo o Mundo.
Não se pode pensar o mundo atual sem os Estados Unidos da América – a Roma da Era Moderna. Ali se travam todos os combates da existência humana. Não podemos incidir no erro primário do maniqueísmo ao voltar os nossos olhares para a terra de Tio Sam. O 11 de setembro mudou o mundo e revelou os Estados Unidos e os seus conflitos.
Quando as torres gêmeas ardiam em chamas, os bombeiros entravam às centenas, para uma morte quase certa, em busca de vidas por salvar. Mais de trezentos morreram. Poucos dias depois, quando a Bolsa de Valores reabria em Wall Street, registrava a maior queda desde a Segunda Guerra Mundial.
Eis o retrato de uma América partida, enquanto os pobres bombeiros expunham suas próprias vidas, os grandes empresários escondiam seus capitais. Nada ofendeu tanto o heroísmo e o sacrifício daqueles bombeiros quanto a covardia e o egoísmo daqueles magnatas.
Foram pessoas como aqueles bombeiros que fizeram da América a Terra da Promissão e o país do Green Card, com seu trabalho espalharam a esperança e atraíram migrantes de todos os lugares. Os argentários de Wall Street fizeram-se Senhores da Guerra e titulares da indústria bélica, conseguiram para o seu País a desconfiança e o ódio de tantos povos. O mundo aguarda ansioso a definição sobre qual dessas facções governará a América.
Temos de estranhar um mundo onde se superam todos os obstáculos jurídicos à busca de terroristas e armas e não se consegue a licença para produzir remédios a custo acessível para os países pobres. A morte de milhões de pessoas não consegue sensibilizar a OMC que ainda não pôde – ou não quis – disciplinar a poderosa e riquíssima indústria farmacêutica internacional, cuja ganância na exploração das patentes se alimenta literalmente de vidas.
O que dizer de uma globalização que pretende assegurar o livre-trânsito às mercadorias e nega visto de entrada às pessoas?
É tenebrosa a perspectiva dos setores hegemônicos da geopolítica internacional em tentar fazer da Organização Mundial de Comércio o grande fórum de decisões, em verdadeira substituição à ONU. Desse modo, os valores e referências dos povos, tais como sua soberania e sua cultura tornam-se meros apêndices das contingências econômicas.
Não por acaso, o Prof. Paulo Bonavides, verdadeira consciência cívica da Nação, em recente palestra no Conselho Federal da OAB, ao mencionar a grande movimentação político-militar ocorrida no Iraque, afirmou: “..a Mesopotâmia, ontem, berço da civilização, hoje túmulo do direito internacional e da Organização das Nações Unidas”.
O grande desafio de nosso tempo é assegurar que as relações internacionais sejam democráticas e multilaterais, sempre na perspectiva do humano que há de se sobrepor aos interesses patrimoniais de grupos ou Estados. Haveremos de ter presente a lição luminosa dos Evangelhos de que “seja o sábado para o homem e não o homem para o sábado” (Mc,2,27).
No Brasil o respeito aos Direitos Humanos, conquanto tenha avançado com o fim do regime autoritário, ainda tem pontos a exigir profunda dedicação e intensa atividade.
O País ainda guarda dívidas vergonhosas com os índios e com os negros, vítimas de histórica e cruel opressão.
Não se faz Direitos Humanos, como de resto políticas públicas em geral, sem recursos orçamentários. Em outubro de 2002, pude, em nome da OAB, integrar a Comitiva do Movimento Nacional de Direitos Humanos que apresentava a situação dos Direitos Humanos no Brasil perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA em Washington, nos Estados Unidos. No documento apresentado, reclamávamos da impossibilidade da economia nacional fazer frente ao pagamento de juros da dívida externa nos moldes então adotados. Transcrevo parte do texto, para exata memória:
“Nos últimos anos, a aplicação permanente da política ditada pelo Consenso de Washington levou o país a implementar um conjunto de ajustes de política econômica que tem levado o país ao aumento do endividamento interno e externo e à redução gradativa dos gastos do governo em investimentos sociais. Estas situações levam, em conseqüência, a por em risco a garantia de autodeterminação em termos de modelo de desenvolvimento e na garantia de avanços na efetivação dos direitos humanos.
Somente para ilustrar o que dissemos, tomaremos os dados referentes à dívida externa e interna brasileira. O total da dívida externa saltou de U$ 148,29 bilhões, em 1994, para U$ 236,16 bilhões, em 2000. No mesmo período, o país pagou o montante de U$ 75,89 bilhões em juros e U$ 218,80 bilhões em amortizações, o que perfaz um total de U$ 294,69 bilhões . Um exercício matemático elementar mostra que, no período, o País praticamente pagou em juros e amortizações quase o equivalente ao que continuava a dever em 2000. No mesmo período, a dívida cresceu U$ 87,87 bilhões, em contraste com um pagamento que é mais do que três vezes este valor.”
Aos que tem dificuldade de entender a influência perversa dessa equação na economia e na vida social de nosso povo, lembramos que recentemente era noticiado o informe de que o chamado setor público consolidado (União, Previdência, Banco Central, Estados, municípios e estatais), já neste ano de 2003, pagou de juros nominais um valor que é 52 vezes maior que o orçamento do Fome Zero.
A retração da economia e a mínima capacidade de o Estado intervir na ordem econômica tem provocado reflexos que se evidenciam no sucateamento da máquina estatal, diminuindo sensivelmente a prestação dos serviços públicos e no desemprego em larga escala. Este, por sinal, já alcança níveis alarmantes.
Na tragédia do desemprego, temos a figura do sub-emprego, que mutila o homem na sua capacidade de trabalho e o submete aos mais terríveis flagelos na busca do pão-de-cada dia.
Os Direitos Humanos passam pela segurança das relações de trabalho.
Recentemente, em Minas Gerais, um Magistrado do Tribunal Regional do Trabalho, em decisão execrável, afirmou: "se o veículo [caminhão] é seguro para o transporte de gado também o é para o transporte do ser humano, não constando do relato bíblico que Noé tenha rebaixado a sua dignidade como pessoa humana e como emissário de Deus para salvar as espécies animais, com elas coabitando a sua Arca em meio semelhante ou pior do que o descrito na petição inicial (em meio a fezes de suínos e de bovinos)."
Quando nos deparamos com decisões como essas que admitem que seres humanos sejam transportados para o serviço em veículos sem higiene em ambiente de imundície, ficamos tomados de pavor ante a perspectiva da retirada das garantias legais prestadas ao trabalhador na chamada proposta de “flexibilização” da CLT.
O trabalho escravo, ignomínia sob todos os títulos, é realidade em vários pontos do País. O seu combate exige um Estado presente, atuante e vigilante, por todos os seus instrumentos, na proteção das vítimas infelizes. Impende afirmar o esforço heróico de Magistrados nessa luta, alguns, inclusive, sob ameaça de morte.
A temática da segurança pública vem atormentando a sociedade brasileira. Acuada por níveis insuportáveis de violência, a população vem sendo seduzida pela proposta ilusória de que a repressão abusiva e indiscriminada é o grande e fundamental remédio para conter a violência.
O discurso da “Tolerância Zero” vem sendo ardilosamente manejado. De fato, o esforço repressivo somente é percebido e proposto em relação aos pobres e sem-prestígio. Segundo a Revista Istoé: “O Banco Central reuniu 1.591 processos que investigavam crimes financeiros no País. Apenas 80 deles resultaram em condenação das pessoas envolvidas” (nº1691/27/02/2002).
Os demagogos da repressão passam ao largo dos estudos científicos acerca da criminalidade.
Pesquisa do Ipea, noticiada pela página eletrônica da Folha de São Paulo, traça soluções efetivas para a temática da segurança pública, lançando na redistribuição de renda mecanismos eficientes na redução da criminalidade:
“A tendência de crescimento do número de assassinatos no país observada nos anos 80 e 90 somente será revertida se houver uma queda da desigualdade de renda no país. Nem mesmo investimentos crescentes na polícia serão capazes de diminuir o número de homicídios ao longo dos próximos anos. É o que mostra um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada).
O estudo, feito pelos pesquisadores Daniel Cerqueira e Waldir Lobão, faz simulações até 2006 com base em dados de homicídios de 1999 dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Os dois Estados responderam por cerca de metade dos assassinatos no Brasil nas décadas de 80 e 90.
No Estado de São Paulo, uma redução de 2% ao ano na desigualdade da renda faria o número de homicídios cair 11,6% de 2001 a 2006.
Entretanto, na contramão, um crescimento de 10% ao ano nos investimentos destinados à polícia resultaria em mais 26,42% casos de homicídios no período. O número de assassinatos em São Paulo alcançaria 20.306.
O estudo mostra que no Estado do Rio, com a redução da desigualdade, os homicídios baixariam 12,8%, num total de 7.210 casos em 2006”.
O Brasil ainda convive com as funestas ocorrências do trabalho infantil e da prostituição infantil. Somos um País que permite que isso ocorra às suas crianças. Ainda assim, em nome da segurança pública, uma das mais insistentes propostas é a da redução da idade penal. É o Estado dando cadeia àqueles aos quais não proporcionou a saúde nem a escola. Vê-se assim, quão desatinada é a histeria repressiva que pretende conduzir as políticas públicas nesse País.
Somos um País onde a juventude elitizada se dá ao desfrute de queimar índios e espancar homossexuais como se fosse um divertimento para afastar o tédio de suas vidas vazias.
Somos um País no qual a tortura ainda é método de investigação e juntamente com os grupos de extermínio, constituem perigosas disfunções do Estado.
Neste panorama escatológico, insiste-se que os Direitos Humanos são proteção de bandido.
Faz-se aqui solene desagravo aos militantes de Direitos Humanos. Não somos agentes da impunidade, ou da insegurança, tampouco protetores de bandidos. Nunca, os militantes de Direitos Humanos participaram de “operações abafa” destinadas a livrar da punição os delinqüentes poderosos, gatunos dos dinheiros públicos ou apadrinhados do poder.
Os militantes de Direitos Humanos nunca foram produtores de “pizza” como o jargão popular denominou as ações destinadas a garantir a impunidade de tantos tubarões.
Posso, com sadio orgulho, citar a ação da OAB-ES e da OAB-PI que tiveram destacada e destemida atuação na denúncia do crime organizado. Homenageamos a todos nas pessoas de Agesandro da Costa Pereira e Nelson Nery Costa e na memória de Marcelo De Nadai, valoroso advogado capixaba, morto por investigar e denunciar a criminalidade em seu Estado.
Quando vão às portas dos presídios, os agentes dos Direitos Humanos não negam a legitimidade do Estado em impor o castigo, não pretendem a não aplicação da pena definida. Exigem, isso sim, que ela seja aplicada nos exatos limites da legalidade.
O que dizer da estatística do Censo Penitenciário do Estado de São Paulo, de finais de 2002, dando conta de que 49% dos presos dizem não ter advogado? O Estado de São Paulo ainda não implantou a sua Defensoria Pública e metade da população ali encarcerada – que é a maior do País – não tem advogado. Essa circunstância trágica põe em xeque a própria legitimidade do Estado para exercer o jus puniendi. É por isso que os militantes de Direitos Humanos são incômodos.
É inaceitável que a política de execução penal ainda se sustente em movimentos espasmódicos de solidariedade consistentes na figura dos MUTIRÕES, nos quais advogados de boa-vontade são chamados para suprir a negligência oficial.
O Brasil não é a segunda economia do mundo, entretanto, a revista de variedades de um importante cartão de crédito, em sua seção gastronômica informa que “o Brasil já é o segundo consumidor mundial de funghi porcini e trufas brancas, perdendo apenas para os Estados Unidos.” Num País de empobrecidos, esse consumo inteiramente estranho aos nossos hábitos e costumes alimentares, e pago em moeda estrangeira, traduz uma excentricidade culinária que agride a fome de tantos.
A Associação Brasileira de Mercado Animal informou em meados de 2002 que o gasto anual dos brasileiros com ração para animais domésticos é de R$1,9 bilhão. O Programa Fome Zero tem um orçamento de R$1,7 bilhão.
Somos um País no qual a sociedade gasta com seus poodle’s e pitbull’s duzentos milhões de reais a mais do que o Governo gasta para com a população desnutrida. E são pessoas como essas que nos acusam de sermos protetores de bandidos.
É por tudo isso que os Direitos Humanos não são apenas um tema atual, eles são um tema permanente, e mais que nunca, a Sociedade precisa discuti-los e respeita-los.
Na verdade, os militantes de Direitos Humanos são os arautos da esperança. Esperança de que o Direito e o Estado estejam a serviço da grandeza e da dignidade do ser humano. Uma dignidade presente na segurança do lar, na oportunidade de trabalho, no salário justo e numa vida decente.
Essa é a esperança que agora partilhamos com todos os que aqui estão, na certeza de que esse é o grande destino da humanidade e de nosso povo.
Para resumir a esperança em jornada tão difícil, trago o verso inspirado de um poeta nascido sob o sol abrasador dos sertões piauienses, Cineas Santos.
“A paz é possível,
Por que não?
O que o mundo não consegue
Cabe dentro do coração.”
Obrigado.
Pronunciamento do presidente nacional da OAB, em exercício, Roberto Antonio Busato, na abertura da II Conferência Internacional de Direitos Humanos:
Senhoras e Senhores,
Neste início de milênio a humanidade assiste perplexa uma sessão de fatos que a tem desnorteado quanto ao seu futuro.
Se de um lado o homem acumula avanços científicos que poderiam assegurar a prosperidade da espécie humana, por outro afirmam-se mecanismos de relações internacionais que aprofundam o fosso entre os mais ricos e os mais pobres.
O problema fundamental em relação aos direitos humanos, hoje, não é tanto justificá-los, nem saber quantos ou quais são esses direitos, qual a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim, qual o modo mais seguro de protegê-los, impedindo que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
Só se alcançará, nos dias atuais, uma sociedade organizada de maneira a maximizar as relações solidárias e participativas e não antagônicas de seus membros através da vivência e eficácia dos direitos humanos.
Em um país de gritantes e profundos conflitos e desigualdades sociais, em que ainda há o desrespeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão e persistem o preconceito e a discriminação contra determinadas minorias sociais e étnico-culturais, a discussão desses problemas, nesta Conferência, contribuirá para o desenvolvimento de uma nova mentalidade.
A xenofobia, o racismo, as guerras étnicas, o preconceito, os estigmas, a segregação, a discriminação baseadas na raça, na etnia, no gênero, na idade ou na classe social são todos fenômenos amplamente disseminados no mundo, e que implicam altos graus de violência.
Todos eles são manifestações de não reconhecimento dos outros como seres humanos, com os mesmos direitos que os nossos.
A luta pelos direitos humanos enfrenta esses desafios, afirmando os ideais de uma sociedade fundada na dignidade de todos, através da tolerância, da compreensão e da vivência de valores éticos, de justiça social, de liberdade, de igualdade e solidariedade e respeito à diferença e à alteridade, como condição indispensável à construção de uma sociedade mais democrática e fraterna, por que todos almejam.
Direitos Humanos é o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações.
O selo histórico das declarações de direitos humanos não é tanto o conteúdo de suas afirmações, mas sim a generalização daqueles direitos.
A partir dessas declarações, todos os homens passam a ser considerados sujeitos de direitos, independentemente de sua condição física ou social.
Nesses documentos o político sobreleva o técnico-jurídico, caracterizando um texto político socializador daqueles direitos e extensível a todos os homens.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, surgiu contra a aplicação indiscriminada da pena de morte, dos campos de extermínio e da expatriação.
Os horrores da guerra conduziram a esta declaração que desdobrou-se nos pactos dos direitos civis e políticos de um lado e dos direitos econômicos, sociais e culturais do outro.
O ESTADO CONTEMPORÂNEO nasceu com o propósito claro de evitar o arbítrio dos governantes, o seu poder despótico que atuava sem leis e sem regras.
Surgiu o ESTADO DE DIREITO, onde o Poder Político está preso e subordinado a um Direito Objetivo, que exprime o justo.
A supremacia do direito espelha-se no primado da Constituição.
Por meio dela busca-se instituir um governo não arbitrário, organizado segundo normas que não pode alterar, limitado pelo respeito devido aos direitos humanos.
Só se legitima o surgimento da sociedade se dela tiver por base o PACTO SOCIAL expresso na constituição que é a declaração da vontade política de um povo, feita de modo solene por meio de uma lei que visa a proteção da dignidade humana, estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais do indivíduo, dos grupos sociais, do povo e do governo.
A vida em sociedade presume uma coordenação do exercício por parte de cada um dos seus direitos naturais.
Direitos de que ninguém abre mão, exceto na exata e restrita medida imprescindível para a vida em comum.
Neste momento crucial da vida brasileira, no início desse novo século, onde os valores sociais e morais estão sendo invertidos por alguns, onde a corrupção é incentivada juntamente com o individualismo e a deslealdade, todos têm o dever de lutar contra esses males.
Recentemente, foi publicado em todos os jornais do país o Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, onde o Estado Brasileiro é citado como um dos países que oferecem o mais grave quadro de violações dos direitos humanos.
Diz o Relatório que o Brasil avançou, mas ainda deixa a desejar no oferecimento das garantias necessárias a setores importantes da população a fim de assegurar os seus direitos humanos, seja por meio de suas instituições preventivas, de polícia e de justiça, seja por meio de esforços institucionais para minimizar a discriminatória desigualdade de oportunidades socio-econômicas e culturais.
As desigualdades sociais devem ser eliminadas porque provocam situações de ilegalidade generalizada.
O Relatório da Comissão de Direitos Humanos da OEA critica o sistema judiciário brasileiro que sofre de lentidão, formalismos complexos e desnecessários e debilidade institucional, recomendando a simplificação e aceleramento dos procedimentos judiciais, a intensificação do Plano Nacional de Direitos Humanos, a resolução do problema do acesso à propriedade rural, a defesa efetiva dos direitos dos povos indígenas, a proteção efetiva das crianças em condições carentes e a ampliação de instituições na defesa das minorias.
Os direitos humanos devem ser respeitados em qualquer circunstância e é hipócrita quem entende que lutar por esses direitos equivale a defender bandidos. Todos, sejam honestos ou criminosos, têm direitos e obrigações.
Os presos são amontoados, depositados, aviltados, violados, sacrificados e mal alimentados.
Este caldeirão de problemas gera rebeliões, que, por sua vez, desnudam a precariedade do sistema penitenciário brasileiro.
Submeter o presos a condições subumanas constitui violação à constituição, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Manter os presos maltratados e desamparados impossibilita a sua readaptação e ressocialização.
Esta é a luta de todos, esta é a bandeira que devemos empunhar para que no próximo Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos o Estado Brasileiro seja reconhecido não mais como o maior violador dos direitos humanos e sim como o campeão de respeito a esses direitos.
Os direitos humanos se constituem em um patrimônio conquistado pela humanidade, são universais.
Por ser uma conquista, são frutos das idéias comuns e se apresentam como um sistema de valores que são moldados ao longo do tempo, tendo portanto uma dimensão histórica.
De acordo com a Constituição Brasileira de 1988, passa a ser um compromisso do Estado assegurar a cada brasileiro, nato ou naturalizado, o acesso à educação, trabalho, saúde, segurança, defesa e previdência social.
Cabe ao Estado garantir à população em geral o acesso e a permanência na escola, bem como um ensino de qualidade, capaz de atender às necessidades sociais da comunidade.
O direito ao trabalho deve ser garantido a todo ser humano, porque deste é que as pessoas sobrevivem, e com ele cada cidadão contribui para o desenvolvimento da sociedade.
A remuneração justa é fundamental para que o trabalhador possa assegurar a si e à sua família uma existência compatível com a dignidade humana. Esse direito implica, também, na liberdade de organização e participação em associações profissionais ou sindicais.
Nos aspectos específicos, o direito à saúde significa a garantia pelo Estado de “condição de vida digna e de acesso universal e igualitário às ações de serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde em todos os níveis e a todos os habitantes do território nacional, levando o desenvolvimento pleno ao ser humano em sua individualidade”.
A participação política é um direito de todo cidadão ativo.
O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas modernas.
A paz, por sua vez, é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional.
Ao mesmo tempo, o processo de democratização do sistema internacional, que é o caminho obrigatório para a busca da paz perpétua, no sentido kantiano da expressão, não pode avançar sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e da proteção dos direitos do homem, acima de cada Estado.
Direitos do homem, democracia e paz são três elementos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos e não haverá paz.
Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos, não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo (N.Bobbio).
Guerra é conflito.
Paz é convivência.
O sentido de Paz, contudo, não se esgota na ausência de guerra.
A paz é obra da Justiça.
Exige a instauração de uma ordem social na qual os homens possam realizar-se como pessoas humanas, com sua dignidade reconhecida, agentes de sua própria história.
Uma paz autêntica reclama luta, espírito criativo, conquista permanente. É expressão de uma real fraternidade entre os homens.
Há que se criar, no mundo, uma mística da paz.
Mística de paz que leve o gênero humano às metas do desenvolvimento, pela cooperação, da mesma forma que a mística da guerra leva ao desenvolvimento pela competição.
Há que se promover o aperto de mãos, em todas as direções e latitudes, suprimindo-se medidas que visem a ilhar culturas e regimes.
Não é mais o momento de pudores excessivos ou escrúpulos, é tempo de luta acirrada pela manutenção dos ideais que nos norteiam.
Não mais se admite o mutismo e nem a discreta omissão, sendo necessário demonstrar a exata colocação dos organismos de direitos humanos para a proteção de todos.
É tempo de ousadias: de ousar sentir, de ousar refletir, de ousar agir para recuperar o tempo perdido e para assegurar o pleno respeito aos Direitos Humanos.
É hora de ocupar posições, ampliando o campo de luta, pois é época de engrossar barreiras contra as violações dos direitos fundamentais.
É momento de conscientização de todos e de união no sentido de transformar o mundo em uma ordem social justa, porque a violação praticada contra qualquer ser humano constitui um iminente libelo contra toda a humanidade.
Devemos todos ser arautos da esperança, para mudar esse mundo, para melhor, pois temos muito a realizar e pouco tempo a trabalhar.
Dependerá de cada um de nós contribuir para a edificação de um mundo fraterno e solidário que seja algo mais palpável do que mera utopia.
Só o direito pode torná-lo concreto e só a virtude pode humanizar o direito, restaurador da dignidade de cada criatura e o advogado, consciente e apaixonado por sua missão, poderá como arauto da esperança, assegurar em seu universo, a consecução possível desse ideal.
Deve o advogado ser fiel ao seu juramento, saindo de qualquer comodismo e defender o estado democrático de direito, a justiça social e os direitos humanos ouvindo a voz do inconformismo que parte da sociedade violada e violentada.
Pois esta vida só vale a pena ser vivida se marcada pelo sentimento do amor ao próximo, por interesse real quanto à condição humana e voltada à realização de projetos nobres para o bem comum da humanidade.
Muito obrigado.