Editorial: O faz-de-contas das CPIs
Porto Alegre, 10/04/2008 - O editorial "O faz-de-conta das CPIs" foi publicado na edição de hoje (10) dos jornais Zero Hora, de Porto Alegre e Pioneiro, de Caxias do Sul. Os dois jornais pertencem ao grupo Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS):
"Ao celebrar a criação de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os desvios no uso de cartões corporativos, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Brito, alegou ontem que "uma overdose de ética não faz mal a ninguém". De fato, mesmo com a indisposição de parlamentares da base governista para investigar qualquer coisa relacionada à atual administração e da dificuldade da oposição de tratar das denúncias de forma objetiva, e mesmo com o desgaste do Congresso de maneira geral, os parlamentares precisam cumprir com o seu dever nessas situações. Inquéritos parlamentares, com suas limitações e contaminações políticas, podem ajudar no encaminhamento de mecanismos eficientes de controle e fiscalização. Para isso, porém, é impositivo superar o atual processo de faz-de-conta que domina as investigações.
Certamente, como advertiu o dirigente da OAB, esses instrumentos só conseguem cumprir plenamente o seu papel em relação a temas explosivos como os cartões corporativos quando deixam de se constituir em palco de disputas políticas, para tentar apurar de fato quem abusou, por que abusou, como ressarcir os cofres públicos e como evitar que o problema volte a acontecer. Agora mesmo, porém, ficou evidente a resistência da CPI Mista em andamento no Congresso em desvendar o mistério envolvendo a divulgação de contas pessoais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, além da forma e razões pelas quais as informações teriam vindo a público. A sessão de ontem, por exemplo, acabou se transformando num desagravo à ex-ministra Matilde Ribeiro, que perdeu o cargo devido ao uso inadequado do cartão corporativo.
Nesse clima, são compreensíveis decisões como a de parlamentares oposicionistas que ontem abandonaram a sessão e passaram a concentrar as atenções em outra CPI para apurar o mesmo assunto, desta vez no âmbito do Senado. O risco a ser evitado no caso das apurações sobre cartões corporativos é o admitido pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves, de que "pelo jeito, serão duas pizzas". A sociedade não pode continuar sendo enganada uma vez, quando denúncias vêm à tona, e numa etapa posterior, quando integrantes de comissões parlamentares de inquérito fazem de conta que investigam.
No âmbito do Executivo, o caso relacionado a gastos do governo anterior deixou evidente que o atual não está interessado em apurar a fundo fatos que seus próprios integrantes alegam não haver razões para esconder. Mesmo num episódio dessa repercussão, a opção foi por recorrer a sucessivas versões, a decisões burocráticas e a investigações com foco limitado, como a encomendada à Polícia Federal. Nessas circunstâncias, cresce a importância da atuação dos legisladores, que deveriam se empenhar em cumprir com ética o seu papel, que é o de investigar, não o de abafar os fatos ou dissimular e, menos ainda, o de ficar em busca de denúncias com o objetivo de usá-las como pretexto para retaliação.
A visão da RBS
A sociedade não pode continuar sendo enganada uma vez, quando denúncias vêm à tona, e numa etapa posterior, quando integrantes de comissões parlamentares de inquérito fazem de conta que investigam.