Aristoteles: ação da OAB por auditoria da dívida deve ir adiante

quinta-feira, 10 de abril de 2008 às 07:10

Brasília, 10/04/2008 – “Não acabou, não vai acabar e vai ser levado adiante, dê o que dê, ainda que a ação no Supremo não alcance o resultado esperado”. A afirmação foi feita pelo conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por Minas Gerais, Aristoteles Atheniense, ao se referir sobre a Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n° 59), ajuizada pelo Conselho Federal da OAB no Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar o Congresso Nacional a realizar a auditoria da dívida externa do País, conforme previsto no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição. “Se ela for rejeitada, se entenderem que a Ordem não tem legitimidade, ou qualquer outro motivo, nem por causa disso nós vamos perder as nossas esperanças de continuar lutando“, acrescentou.

As afirmações foram feitas durante o debate realizado na sede da OAB Nacional, em Brasília, sobre a situação da dívida externa brasileira, cuja liquidação – anunciada recentemente pelo governo Lula – teria como conseqüência o aumento do endividamento interno do País. Na ocasião, Aristóteles, que presidiu a comissão organizadora do evento, fez um longo relato do histórico da ação desde quando foi proposta à OAB, no dia 6 de abril de 2004, pelo então conselheiro pela Bahia, Arx Tourinho, até os dias de hoje. O relator da ADPF n° 59 no STF é o ministro Carlos Ayres Britto. O debate foi conduzido pelo presidente nacional da entidade, Cezar Britto, e o vice-presidente, Vladimir Rossi Lourenço.

No relato feito aos conselheiros da OAB, na sessão plenária da entidade, Aristóteles detalhou os debates encampados entre os protagonistas das discussões que levaram ao ajuizamento da ação, apresentando até mesmo as divergências internas que ocorreram à época sobre qual tipo de ação deveria ser apresentada.

A seguir a íntegra da manifestação (SEM REVISÃO) do conselheiro federal da OAB por Minas Gerais, Aristóteles Atheniense, no debate promovido pela OAB Nacional:

“Senhor Presidente. Eminentes colegas Conselheiros. A minha manifestação é curta. É apenas para que os senhores tenham uma idéia do que foi feito na Ordem, em relação ao tema que nos congrega nesta tarde. A razão desta minha exposição é o seguinte: houve uma modificação no Conselho da ordem de 75%. Então, é provável que muitos daqueles Conselheiros que aqui estão não saibam o que foi realizado na administração passada, de que participamos. Vamos, cronologicamente, explicar o que foi feito.

No dia 6 de abril do ano de 2004, o nosso Conselheiro representante da Bahia, Arx Tourinho propôs ao Conselho Federal que se examinasse a possibilidade de ajuizamento de uma ação, via da qual se pudesse tornar realidade a regra do artigo 26 do Ato das Disposições Transitórias, que previa a realização de uma auditoria um ano depois da promulgação da Constituição. Isto resultou de uma proposta de um Constituinte, deputado Hermes Zanetti. E, segundo ele, a finalidade desta auditoria era, justamente, promover a recuperação das prerrogativas do Congresso Nacional. Por quê? Porque o artigo 44 da Constituição dizia que os atos de repercussão internacional, que fossem assinados pelo Presidente da República, só poderiam sê-lo de acordo, contando com o ad referendum do Congresso Nacional.

Mas já naquela época, vejam bem, em 2003, a doutora Maria Lúcia Fattorelli já havia sustentado que nem o Executivo e nem os parlamentares consultaram os contribuintes, se eles estavam dispostos a sustentar ou não o pagamento dessas dívidas em moeda estrangeira.

Acontece que nesse trabalho apresentado pelo doutor Arx Tourinho, ele sustentou o seguinte: primeiro, a legitimidade ativa do Conselho Federal da OAB para propor esta ação, que é a que vou me referir em seguida, e a legitimidade passiva do Congresso Nacional. A ação teria como causa de pedir a inconstitucional omissão do Congresso no cumprimento do comando normativo do artigo 26, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. E o pedido, que é a parte mais importante da ação, consistia no fato de que o Congresso deveria cumprir a obrigação que lhe foi imposta.

No dia 23 de abril, vale dizer, 17 dias depois desta proposta do Conselheiro Arx Tourinho, o Senador Pedro Simon sustentava que o Congresso deveria constituir uma Comissão Mista, justamente para a apuração desse débito e, sobretudo, da sua origem.

No dia 2 de setembro de 2004 chegou aqui, em Brasília, o Diretor Geral do FMI. Era um espanhol, chamava Rodrigo Rato. Eu fui chamado a representar a Ordem nesse encontro com o senhor Rato, no Hotel Meliá. Ele estava muito empolgado com os últimos contatos mantidos com o Presidente da República e, principalmente, com o Presidente do Banco Central. Estava eufórico mesmo com essas conversações mantidas. E eu disse a ele, quando me deram a palavra para falar em nome da Ordem, que nós estávamos empenhados não só em saber a origem da dívida, mas a quantas ela andava. E já que ele estava tão satisfeito com os entendimentos mantidos com a cúpula do governo brasileiro, sobretudo da área econômica, que eu acharia que ninguém melhor do que ele para nos fornecer aqueles esclarecimentos. A imprensa toda reunida, o salão repleto.

Depois de ele ouvir, ele, que é espanhol e entendia perfeitamente o que eu estava falando em português, sem falar na tradução simultânea que havia, diz assim: “A conversa é muito importante, mas eu tenho que tomar um avião daqui a quinze minutos”. Olhou o relógio e saiu correndo. Quando ele saiu, a imprensa toda foi atrás dele e, naturalmente, eu peguei o carro da Ordem e fui também atrás dele para ver. Eu queria que ele falasse alguma coisa, fosse o que fosse. Qual não foi minha surpresa que, quando chegamos no aeroporto, a Polícia Federal vedou a nossa passagem, de todos os jornalistas. Ele entrou por uma porta do fundo, ali, e não sei como é que de lá saiu até hoje.

Esse senhor era o diretor geral do FMI. Para os senhores terem uma idéia, a imprensa de hoje está noticiando que o FMI vai realizar uma reunião amanhã, em Washington, e que ontem despediu 2.300 empregados. Não é o Brasil que está em crise, é o FMI que está em crise. A crise é pelo fato de que não estão agora surgindo mais países que queiram tomar empréstimo do FMI. Amanhã vai ter uma reunião em Washington, com a presença dos países mais importantes do mundo, principalmente da América, para que... eles vão fazer novas propostas aos países, para que voltem a tomar empréstimo, porque já não está havendo maior interesse nesse sentido.

Então, o que aconteceu? Em face, depois desse episódio, ficou a dúvida aqui, na Ordem, em saber assim: qual a ação que vai ser proposta? E o Presidente Busato encaminhou a questão ao Doutor Marcelo Martins, que é, até hoje, o advogado da Ordem para o ajuizamento da ação. Houve uma discordância. Enquanto o Doutor Marcelo Martins achava que devia ser uma ação civil pública e que o Supremo Tribunal Federal não poderia dar ordem ao Congresso, o conhecido professor Fábio Konder Comparato discordava totalmente disso, dizendo que essa ação, proposta pelo Doutor Arx Tourinho, seria uma ação, até certo ponto, fadada ao insucesso, porque ela não indicava qual seria o réu da demanda. E a proposta de Fábio Comparato foi a de que fosse ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão.

Em face disso, Arx Tourinho, que não era homem de deixar as coisas sem resposta, logo afirmou: Não, o pólo passivo era o Congresso Nacional, e aqui não era o caso de declaração de inconstitucionalidade mas, sim, a efetivação de um ato concreto. A questão foi para a Comissão de Estudos Constitucionais da OAB, presidida então pelo constitucionalista José Afonso da Silva. Este, então, se referiu ao fato de que a ação estaria fadada também ao insucesso, mas por outros motivos. Porque já havia um relatório parcial, da lavra do então senador Severo Gomes, relativa, justamente, ao início do cumprimento do artigo 26. Então, dizia ele: “Se essa regra começou a ser cumprida, não poderia dizer que ela não foi cumprida. Ela poderia ter sido cumprida parcialmente, apenas”. Agora, em relação à Câmara dos Deputados, nenhuma providência foi tomada no seio daquela Casa. E que, por outro lado, o outro argumento a que ele se apegava o professor José Afonso era o de que norma transitória de disposição constitucional transitória não seria jamais preceito fundamental. E que, a seu ver, não devia ser ajuizada ação nenhuma.

Veio a resposta do Doutor Arx Tourinho. Ele dizia o seguinte: “Não, a ação que eu quero propor é uma Ação de Argüição de Descobrimento de Preceito Fundamental”. E esse relatório do senador Severo Gomes. Ele apenas examinou as questões formais da contratação da dívida, mas não se deteve na constitucionalidade, nem na juridicidade.

Por outro lado, naquela oportunidade, segundo ele afirmou, o Senado não efetuou nenhuma perícia ou determinou que se fizesse uma perícia a respeito do endividamento interno. E se houve, conforme ele já disse, houve apenas o cumprimento do artigo 26 pela metade.

Novamente veio o professor José Afonso e disse: “Não, a norma visava...” Porque essa norma do artigo 26, ele, como não acreditando muito nela, ela visava dar uma satisfação formal a uma certa corrente – são palavras suas – a certa corrente de pensamento, a um grupo de pensão. Redargüiu, então, o nosso saudoso Arx Tourinho: “Não, ela não tinha essa finalidade, não se destinava a satisfazer” – são palavras suas – “devaneios de proponentes, mas era uma disposição transitória e, como tanto, nem por causa disso, deixava de ser um preceito fundamental”.

A questão do preceito fundamental, de acordo com a Lei 9892, não se aplica, diziam eles, apenas naquela circunstância sustentada pelo professor José Afonso. Quer dizer, ela não se aplica apenas em ato comissivo mas, também, em relação, quando houvesse omissão. E essa distinção a Lei não fazia.

A verdade, senhores Conselheiros, é que o conceito de preceito fundamental vai ser encontrado na doutrina. Então, nós vamos encontrar, sim, em Alexandre de Morais, no voto do ministro Celso de Mello. E vejam bem quem reconhece, justamente, a existência desse preceito fundamental é, justamente, o futuro Presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes.

O fato é que essa ação foi proposta, a despeito dessas divergências internas que enfrentamos. E, no momento, o relator é o ministro Carlos Ayres de Brito. Ele pediu informações ao deputado, ao então senador José Sarney, que era Presidente do Congresso. Já houve, é preciso que se diga, um parecer contrário da Procuradoria Geral da República em relação a essa ação. As informações prestadas o foram pela metade. Houve um novo pedido, e no momento, os autos se encontram, como diz, assim, em poder de Sua Excelência, para que leve a julgamento ou emitindo a sua opinião final.

São esses os esclarecimentos. É apenas para que os senhores tenham uma idéia do que a Ordem fez até agora em termos de dívida externa e, sobretudo, no que diz respeito ao cumprimento desse preceito constitucional. Deixando bem claro que essas divergências havidas, tanto de parte de José Afonso, Comparato e outros mais, a meu ver, foram salutares. Isso favoreceu, inclusive, que nós nos municiássemos, que ficássemos munidos de melhores argumentos para rebater as opiniões em contrário.

Eu queria apenas dizer a Vossa Excelência que eu comecei no dia 6 de abril de 2004 para cá. Agora, a história não começou neste dia, começou anteriormente, e estão aqui dois protagonistas dos fatos anteriores, que é o Doutor João Luiz Pinaud e Reginaldo Furtado, que poderão falar o que aconteceu, qual foi o embrião, o que justificou, realmente, esse movimento.

E pode estar certa amiga Maria Lúcia Fattorelli. Não acabou, não vai acabar e vai ser levado adiante, dê o que dê, ainda que a ação no Supremo não alcance o resultado esperado. Se ela for rejeitada, se entenderem que a Ordem não tem legitimidade, ou qualquer outro motivo, nem por causa disso nós vamos perder as nossas esperanças de continuar lutando. Mesmo porque, como já dizia o poeta: um céu sem estrela é como um mundo sem esperança. E nós queremos que haja bastante estrela e que nós sejamos bastante iluminados, no cumprimento da nossa tarefa.”