Editorial: Mamata cortada

sexta-feira, 03 de agosto de 2007 às 04:08

Campo Grande (MS), 03/08/2007 - O editorial "Mamata cortada" foi publicado hoje (03) no jornal O Progresso, de Mato Grosso do Sul:

"O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de reparar um erro praticado pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul: suspendeu até o julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) a pensão vitalícia que os deputados estaduais concederam aos ex-governadores do Estado e que beneficiava em primeiro momento o petista José Orcírio Miranda dos Santos. Ainda que a suspensão tenha caráter temporário, tudo indica que o veto será definitivo uma vez que seis dos onze ministros do Supremo já haviam votado pela inconstitucionalidade da pensão quando ocorreu o pedido de vistas.

A decisão dos ministros comprova o quanto a Assembléia Legislativa estava errada ao aprovar por 17 votos a 4, o projeto de lei que garantiu pensão vitalícia aos ex-governadores que, pela benevolência dos deputados estaduais, passaram a embolsar mais de R$ 22 mil todos os meses sem fazer qualquer esforço e, mais grave, onerando os cofres públicos em mais de R$ 287 mil por ano somente com o pagamento da pensão para José Orcírio.

O fato é que a aprovação do projeto que concedeu a mamata vitalícia ao ex-governador serviu apenas para coroar a relação quase ímproba entre os poderes Executivo e Legislativo de Mato Grosso do Sul ao longo dos oito anos de mandato de José Orcírio. Em nenhum momento os deputados estaduais se preocuparam em fiscalizar a coisa pública, pelo contrário, tudo que o governo mandava para a Casa de Leis era aprovado em tempo recorde e com votação quase unânime, portanto, conceder o mimo de R$ 22 mil mensais foi a forma que os nobre representantes do povo encontraram de tornar segura e tranqüila a terceira idade de José Orcírio Miranda dos Santos.

Eles só não contavam com uma pedra chamada Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no meio do caminho e foi, justamente, a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo Conselho Federal da OAB que barrou a farra com o dinheiro público, graças, é lógico, ao voto dos ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Sepulveda Pertence, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso que acompanharam o voto da ministra Carmem Lúcia, relatora do processo.

A inconstitucionalidade do mimo concedido pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul ficou patente a partir do momento que feriu o artigo 29-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzido na Constituição Estadual pela Emenda à Constituição estadual nº 35/206. Ficou claro, portanto, que a Assembléia violou as regras fixadas pela Constituição Federal de 1988 e pelas emendas à Carta Magna que garantiram a reforma da Previdência Social no final da década de 90.

Além da questão legal também existia o lado imoral da medida, já que 86% dos trabalhadores brasileiros se aposentam com salário mínimo somente após 35 anos de contribuição. Pelas regras que valem para todos os brasileiros, menos para os ex-governadores de Mato Grosso do Sul, o trabalhador do sexo masculino só garante direito à aposentadoria integral quando tiver 35 anos de contribuição previdenciária, enquanto a mulher assegura o mesmo direito após 30 anos de contribuição.

Vale lembrar que no casos dos servidores públicos as regras são ainda mais rigorosas. A aposentadoria integral por idade, por exemplo, só será garantida se o servidor tiver mais de 60 anos, no mínimo 20 anos de carreira e estando há, pelo menos, 10 anos no cargo. Foi justamente estes princípios que os deputados feriram ao presentear Orcírio com a pensão vitalícia.

A expectativa agora é que nenhum dos seis ministros do Supremo Tribunal Federal mude o voto anunciado quando a Ação Direta de Inconstitucionalidade retornar ao pleno para votação final do mérito, contudo, mesmo que isto ocorra ainda sobrará o voto da ministra Ellen Gracie, que em decisões anteriores já apontou a inconstitucionalidade da pensão vitalícia para ex-governadores. Pelo jeito, a mamata está com os dias contados!"