Entrevista: "Overdose de ética não faz mal a ninguém"

domingo, 10 de junho de 2007 às 07:28

Aracaju (SE), 10/06/2007 – O entrevistado deste domingo é o atual presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o sergipano Cezar Britto, que se encontra em Sergipe desde a última quinta-feira, onde cumpre uma agenda de compromissos. Dentre vários assuntos, Britto destacou a importância do Plano Nacional de Democratização e Acesso à Justiça, falou sobre cláusula de barreira para novos advogados e sobre a criação de um código de ética para a magistratura. Defensor da criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional para investigar as relações das empreiteiras com os governos federal, estaduais e municipais, Cezar Britto falou também sobre a Operação Navalha, condenou as acusações prévias e as condenações por antecipação, e lamentou que informações tão sigilosas tenham "vazado" para a imprensa. Britto também não poupou os excessos cometidos pela Polícia Federal e se disse preocupado com a consolidação do Estado Policial. Confira a seguir, e na íntegra, a entrevista concedida ao repórter Habacuque Villacorte, do Correio de Sergipe:

P - Como o senhor avalia a participação dos advogados sergipanos nos cenários nacional e local nos últimos anos?
R - No campo do Direito, um momento bem especial. Em que os advogados aqui nascidos conseguem projeção nacional. Mas não apenas porque aqui nasceram, mas porque o trabalho aqui desenvolvido demonstra que Sergipe está no mesmo patamar dos demais Estados brasileiros. Nos últimos anos, três advogados passaram a exercer representações nacionais: Carlos Ayres Britto (Supremo Tribunal Federal), José Simpliciano Fontes (Tribunal Superior do Trabalho), e agora eu na presidência nacional da OAB. E não apenas no campo da advocacia. O Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional do Trabalho (ambos de Sergipe) são apontados como exemplos de modernização e agilidade processual no Brasil.

P - E o que dizer da gestão de Henri Clay Andrade à frente da OAB-SE?
R - A OAB sergipana é extremamente respeitada no Brasil. E se ela é tão respeitada, significa que o presidente Henri Clay também é. A luta dele (Henri Clay), por exemplo, no campo da defesa do rio São Francisco é apontada como referencial de atuação da Ordem no campo de defesa do patrimônio nacional.

P - O senhor declarou que o oligopólio reforça a baixa qualidade dos cursos de Direito. O que aconteceria, por exemplo, se o Exame Nacional da Ordem fosse abolido?
R - Três conseqüências graves: imediatamente teríamos um acréscimo no hall de advogados do Brasil de aproximadamente 2,5 milhões de inscritos, com um crescimento anual de 249 mil profissionais. Se o Brasil já possui hoje algo em torno de 600 mil advogados, correspondendo a 20% dos advogados no mundo, se perceberia o absurdo que nós passaríamos a ter praticamente a metade dos advogados do mundo; o segundo, que é mais grave, é que boa parte com baixa qualificação profissional e a péssima qualidade do ensino jurídico. No último exame nacional da Ordem, que abrangeu 17 Estados da Federação, constatou-se a afirmação anterior. As boas instituições de ensino, que são poucas, conseguem aprovar mais de 75% dos seus inscritos, e as de péssima qualidade reprovam aproximadamente 100% dos seus egressos. Se o exame consegue a aprovação de mais de 75% egressos, não é o exame que está ruim, mas as instituições é que estão fracas; já o terceiro, que para mim é o principal aspecto, é que a profissão do advogado tem relação direta com a defesa de princípios e regras fundamentais ao ser humano, como a liberdade, a luta pela desigualdade, a conquista de um direito violentado, a supressão de uma esperança de justiça. E se essa profissão não é exercida com uma necessária qualificação, o prejuízo que se causa à cidadania que contrata o serviço é grave é irreversível. Certamente os presídios estariam superlotados de cidadãos que perderam sua liberdade por uma defesa mal feita. O exame de ordem é acima de tudo um instrumento de defesa da cidadania.

P - Chegou o momento de se desenvolver o Plano Nacional de Democratização e Acesso à Justiça?
R - Não se tem dúvida disso! O Brasil ainda é campeão de injustiça em que o acesso a ela é caro, excludente e para poucos. É caro porque ainda se cobra (principalmente na Justiça Comum) custas processuais que inviabilizam para vários cidadãos a luta para o ressarcimento dos seus direitos. É excludente porque os juizados especiais e na Justiça do Trabalho, ainda se admite a idéia de que alguns cidadãos, buscando seus direitos, façam, utilizando as próprias mãos, sem o auxílio do advogado, tendo geralmente do outro lado grandes grupos econômicos sendo bem defendidos, a exemplo dos bancos, empresas aéreas, de telefonia, energia e outras que se tornaram campeãs no desrespeito ao consumidor. Para ampliar o acesso à Justiça, é preciso fortalecer a Defensoria Pública, para que os advogados possam suprir as carências jurídicas dos mais necessitados e passem a atuar nesses juizados com equilíbrio processual.

P - Qual a finalidade da "cláusula de barreira" para os novos advogados?
R - A cláusula de barreira foi estabelecida na compreensão de que a experiência fornecida pelo tempo na advocacia qualificaria melhor o advogado para exercer o cargo de direção na Ordem. Tanto assim o é que a Constituição Federal também está exigindo esse lapso temporal para o exercício do cargo de magistrado. Essa é a razão da cláusula de barreira! Mas eu tenho nessa gestão a intenção de consultar, em plebiscito, a advocacia brasileira sobre a necessidade ou não da sua manutenção no Estatuto ou a redução para o prazo de três anos como está a se exigir na magistratura.