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Cezar Britto afirma que sem cidadania barbárie se estabelece

quarta-feira, 18 de abril de 2007 às 17h03

Vitória (ES), 18/04/2007 - “Não é apenas nas ditaduras que os direitos humanos são ameaçados e violados. Também nas democracias, se não houver vigilância cívica, cidadania ativa, a barbárie se estabelece”. Com essa afirmação, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, ressaltou a importância da atuação e vigilância firme desempenhada pela Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) da OAB. Ao empossar hoje (18), em Vitória, o ex-presidente da OAB do Espírito Santo e atual conselheiro federal da entidade, Agesandro da Costa Pereira, no cargo de presidente da Comissão, Britto foi enfático quanto à importância da preservação de tais direitos: ”não há direito humano mais elementar que o direito de defesa. É um direito que não se nega ao mais abjeto dos criminosos”.

Ao alçar o direito de defesa e ao contraditório à categoria de direito humano, o presidente nacional da OAB ressaltou que, dentro do chamado devido processo legal, o direito elementar do detido, seja ele quem for, é o de ter acesso a seu advogado e o de conhecer os motivos pelos quais está sendo acusado. “A percepção de que a cultura da impunidade ainda predomina em nosso país leva muitas vezes a sociedade a ansiar por ações justiceiras, que transgridem a verdadeira justiça e levam o combate ao crime a igualar-se ao próprio crime”, afirmou Britto, referindo-se às últimas violações ao direito de defesa dos acusados ocorridas a partir da Operação Furacão, deflagrada pela Polícia Federal.

Ainda nessa linha, Britto destacou a importância do profissional da advocacia como aquele que, constitucionalmente, deve estar ao lado do cliente para garantir que lhe seja conferido o direito - também previsto na Lei Fundamental - de defesa. “Não se pode confundir o advogado com os eventuais erros de seus clientes. Não pode a polícia ou quem quer que seja tratá-lo como se fosse o próprio delinqüente. Não pode vedar-lhe acesso ao cliente ou ocultar-lhe as causas da prisão”, afirmou o presidente da OAB no auditório da Seccional capixaba da entidade. “Fora do estado democrático de direito, sabemos todos, não há salvação. Sempre que o combate ao crime deixa de observar esta óbvia regra - e dentro dela os direitos humanos -, a vitória acaba sendo do crime”.

Britto destacou, ainda, as qualificações de Agesandro Pereira para conduzir a CNDH, comissão histórica e das mais importantes da entidade. Ele relembrou os difíceis momentos vividos por Agesandro quando ainda era presidente da OAB capixaba e denunciou o envolvimento de autoridades de órgãos dos três Poderes com ações de corrupção no Estado. “Sofreu ameaças, foi perseguido, mas jamais recuou na sua obstinação em denunciar os criminosos, sobretudo aqueles que denominamos de criminosos do colarinho branco”, lembrou Cezar Britto. “Sua coragem e determinação, sobretudo ao tempo em que presidiu esta seccional capixaba da OAB, tornaram-se referência para todos nós, advogados - referência de bravura e de espírito”.

Ao finalizar a sessão, o presidente nacional da OAB lembrou que nenhuma outra instituição do país está historicamente mais envolvida na luta contra o crime e elegeu o combate ao crime organizado como a principal bandeira a ser seguida pela CNDH nos próximos anos. Para impunhá-la, disse Cezar Britto, não há ninguém mais capacitado que Agesandro Pereira. “Ele tem sido aqui, neste Estado, onde é notória a ação de uma das mais ativas e perversas vertentes do crime organizado, um implacável combatente da lei. Um combatente do Bem”.

A seguir, a íntegra do discurso proferido pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, na sessão de posse do advogado Agesandro Pereira no cargo de presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB:

“Senhoras e senhores

Esta cerimônia de posse de nosso colega e conselheiro federal Agesandro da Costa Pereira, na presidência da Comissão Nacional de Direitos Humanos, reveste-se de significado especial.

Trata-se do homem certo, no lugar certo - e na hora certa.

Esta Comissão se instala para ser um braço auxiliar da sociedade civil brasileira no combate ao crime organizado e na defesa da legalidade. E uma coisa não pode existir sem a outra.

Fora do estado democrático de direito, sabemos todos, não há salvação. Sempre que o combate ao crime deixa de observar esta óbvia regra - e dentro dela os direitos humanos -, a vitória acaba sendo do crime.

Disso podemos falar com autoridade. Nenhuma outra instituição neste país está historicamente mais envolvida na luta contra o crime, em todas as suas múltiplas e variadas formas de manifestação - o crime comum, o crime político, o crime organizado -, que a Ordem dos Advogados do Brasil.

E dentro da OAB nenhum de nós possui biografia mais rica, eloqüente e corajosa no combate ao crime organizado que o conselheiro federal pelo Espírito Santo Agesandro da Costa Pereira.

Ele tem sido aqui, neste estado, onde é notória a ação de uma das mais ativas e perversas vertentes do crime organizado, um implacável combatente da lei. Um combatente do Bem.

Sofreu ameaças, foi perseguido, mas jamais recuou na sua obstinação em denunciar os criminosos, sobretudo aqueles que denominamos de criminosos do colarinho branco - estejam eles no Parlamento, no Judiciário, na iniciativa privada ou no Executivo.

Sua coragem e determinação, sobretudo ao tempo em que presidiu esta seccional capixaba da OAB, tornaram-se referência para todos nós, advogados - referência de bravura e de espírito legalista.

Jamais viu incompatibilidade - até porque não há - entre combate ao crime e respeito à ordem jurídica e aos direitos humanos.

Por isso, disse - e repito - que o dr. Agesandro da Costa Pereira, meu dileto amigo, é o homem certo, no lugar certo e na hora certa.

E digo isso tendo em vista o clamor presente - e constante - da sociedade brasileira por ações mais efetivas na luta contra o crime. Organizado ou não.

E a eficácia das ações repressivas não significa, como alguns equivocadamente supõem - e outros ingenuamente ou não concordam -, a subtração da lei; o atropelo do processo legal; o direito de defesa.

Fora da lei - repito -, não há salvação.

Se a lei precisa ser aprimorada, modificada, que o seja. É outra discussão, cujo fórum adequado é o Congresso Nacional. Mas não pode simplesmente ser ignorada, em nome do que quer que seja - muito menos da justiça e da paz social.

Não há ambiente mais propício ao crime e ao obscurantismo que aquele em que a lei é ignorada, desprezada, descumprida.

Teríamos nessa hipótese um estado de anomia - de ausência de lei ou de regra -, incompatível com o Estado democrático de Direito. Incompatível com a Justiça. Incompatível com a civilização.

Ao defendermos, dentro de nosso compromisso estatutário, a Constituição e as instituições republicanas, estamos dizendo sim à legalidade - e, nesses termos, dizemos não ao crime, às transgressões aos direitos humanos, às violações às prerrogativas da advocacia.

Não há direito humano mais elementar que o direito de defesa. É um direito que não se nega ao mais abjeto dos criminosos.

Ao defender o respeito a esse direito, não pedimos que a polícia seja negligente com o crime. Muito pelo contrário: queremos rigor nas investigações, sem qualquer tipo de complacência.

E quanto mais alta a patente do infrator maior o rigor na aplicação da lei.

A recente Operação Furacão, da Polícia Federal, detendo diversas personalidades de projeção na sociedade brasileira - algumas ocupantes de cargos na estrutura do próprio Poder Judiciário -, gerou grande e positivo impacto na opinião pública. Compreensível impacto.

De nosso ponto de vista, aplaudimos quando a polícia deixa de cuidar apenas do pequeno infrator e direciona suas antenas para o grande infrator.

Mas, tanto num caso como no outro, do pequeno ou grande infrator, sua ação tem que estar nos limites da lei - ou estará se equiparando aos criminosos.

A percepção de que a cultura da impunidade ainda predomina em nosso país leva muitas vezes a sociedade a ansiar por ações justiceiras, que transgridem a verdadeira justiça e levam o combate ao crime a igualar-se ao próprio crime.

É compreensível esse desabafo por parte de quem não tem responsabilidades institucionais. Mas é inaceitável que os que a têm endossem essa conduta. É absolutamente inaceitável!

A OAB, ao protestar contra o procedimento da Polícia Federal, de impedir que os advogados dos detidos na Operação Furacão tivessem acesso aos autos e contatos com seus clientes, manifestou-se em defesa do sagrado direito de defesa.

Não pediu - e não pede - que se deixe de investigar e punir os que delinqüiram.

Muito pelo contrário: juntamos nossas vozes ao clamor da sociedade brasileira por um país mais justo - e por uma Justiça que não puna apenas o pobre, os destituídos de meios para acessá-la.

O Direito é uma ciência - e corresponde a uma das mais elevadas conquistas da civilização no curso da história humana. E o Direito prevê a defesa como princípio elementar da Justiça.

Dentro do chamado devido processo legal, o direito elementar do detido (seja lá quem for) é o de saber do que é acusado - e, simultaneamente, de dispor de um advogado para vocalizar sua defesa, com base na lei.

Não se pode confundir o advogado com os eventuais erros de seus clientes. Não pode a polícia ou quem quer que seja tratá-lo como se fosse o próprio delinqüente. Não pode vedar-lhe acesso ao cliente ou ocultar-lhe as causas da prisão.

O advogado não é inimigo da polícia; os dois podem - e precisam - andar juntos para o bem do Brasil, e é isso que queremos.

É preciso evitar erros como os ocorridos na Operação Furacão - e não sou eu quem está dizendo isso: é a Constituição, é a Lei, é o Supremo Tribunal Federal, que, por intermédio do ministro Cezar Peluso, determinou que haja regras claras, em que os presos sejam ouvidos diretamente por seus advogados, sem interfones ou outras restrições, e que os advogados tenham acesso ao processo.

E é disso que fomos tratar ontem com o ministro da Justiça, dr. Tarso Genro.

Fomos tratar de algo fundamental para o exercício mais elementar da cidadania: as prerrogativas da advocacia. Trata-se na verdade de prerrogativas não do advogado, mas do cidadão.

É ele o maior prejudicado quando se suprime o direito de defesa. Não se questiona o mérito das prisões - ao contrário, aplaude-se o trabalho investigativo da Polícia Federal.

Há muito clamamos por polícia eficiente, investigativa, cidadã. Mas não queremos que se confunda eficiência com arbitrariedade; rigor com truculência; justiça com linchamento.

Não há qualquer conflito entre eficiência e legalidade. Muito pelo contrário: só há eficiência se houver legalidade. Caso contrário, em algum momento, a transgressão será cobrada - e a sociedade será chamada a repará-la.

Ao tempo da ditadura, nós, advogados, enfrentamos a truculência da polícia política, indo aos porões em busca de contato com nossos clientes, vítimas da ilegalidade. Corremos riscos.

Alguns de nós sofreram na carne agressões, ameaças, danos à integridade física. A luta pelo restabelecimento do instituto do habeas corpus mobilizou a sociedade civil e deu início à luta pela redemocratização.

Não podemos permitir retrocesso em tais conquistas. E não podemos perder de vista que a legalidade exige vigilância permanente.

Não é apenas nas ditaduras que os direitos humanos são ameaçados e violados. Também nas democracias, se não houver vigilância cívica - essa vigilância que nós, da OAB, historicamente temos exercido -, a barbárie se estabelece.

Cientes disso, decidimos arrostar todas as conseqüências - mesmo a da incompreensão - ao protestarmos contra os procedimentos já mencionados da Polícia Federal.

A Constituição Federal do Brasil, de 1988, estabelece, em seu artigo 133, que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Não podemos trair essa distinção que nos conferiu o constituinte de 1988, e que nosso Estatuto ratificou, estabelecendo que a função social é a mais importante e edificante característica da advocacia ? seu valor máximo e seu mister.

Daí a importância que atribuímos a essa Comissão Nacional de Direitos Humanos. Queremos que seja nossa contribuição mais efetiva - e eficaz - na luta da sociedade brasileira contra o crime e pela paz social.

Ao atribuirmos tal missão a esta Comissão, e ao optarmos por denominá-la de Comissão Nacional de Direitos Humanos, confirmamos nossa convicção de que tal combate tem que estar dentro destes limites - ou não terá chances de vitória.

Sinto-me tranqüilo - e creio que esse sentimento é compartilhado por todos nós, do Conselho Federal - de entregar o comando de tal Comissão a um personagem com o perfil moral e a biografia de Agesandro da Costa Pereira.

Conte conosco - e que Deus o ilumine.

Muito obrigado"

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