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Busato diz que Judiciário da Bahia é um descalabro

domingo, 3 de setembro de 2006 às 06h02

Salvador, 03/09/2006 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, é duro com o Judiciário baiano e com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa entrevista concedida ao Correio da Bahia, quando recebeu na Câmara Municipal de Salvador a Medalha Thomé de Souza, honraria cobiçada por muitas autoridades e homens públicos, Busato não foge ao estilo polêmico e contestador. Ele disse que o Judiciário baiano é um exemplo negativo para o país por conta do acúmulo de processos, da falta de juízes nas comarcas e por questões éticas. O presidente da OAB também faz críticas ao presidente da República, acusa o PT de adotar práticas autoritárias – o que levou a Ordem a se afastar do partido – e defendeu a apuração da denúncia publicada na revista Veja, de que a praga da vassoura-de-bruxa foi disseminada de forma criminosa na região cacaueira da Bahia, a mando de militantes petistas.

P- O senhor visitou recentemente o interior da Bahia para conferir de perto a situação do Judiciário baiano, considerado caótico pela seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA). O que assustou mais o senhor?
R- Principalmente o estoque de processo para julgamento. Há um número excessivo de processo em função da demanda que, ao longo do tempo, ficou reprimida sobretudo no interior do estado, pelo número insuficiente de magistrados. Encontrei varas criminais com mais de seis mil processos. No meu estado, o Paraná, quando se diz que uma vara tem mais de 450 processos, já se diz que o aparato Judiciário não funciona mais. O que vimos na Bahia é um exemplo de descalabro. Outro ponto é a exigüidade do tempo em que o Judiciário na Bahia está aberto à população. Em Barreiras, por exemplo, o fórum só funciona das 8h ao meio-dia. Isso, segundo me informou o próprio juiz. Em outras comarcas há horários diferentes. Portanto, não há uma regularidade no horário de funcionamento dos fóruns.

P- O senhor disse que também encontrou advogados em situação de miséria, por conta da ineficiência do Judiciário da Bahia.
R- Numa situação dessas, com varas cíveis com milhares de processos em andamento, o advogado empobrece vertiginosamente, já que não consegue apresentar um trabalho satisfatório para o seu cliente. Em Valença, houve denúncias de que havia advogados pedindo até para receber cestas básicas. Uma situação verdadeiramente calamitosa.

P- Pelo que o senhor viu, podemos dizer que o Judiciário baiano é o pior do Brasil?
R– A Bahia é afamada por ter um Judiciário muito deficiente. Isso já estamos denunciando ao longo de toda a minha gestão à frente da OAB. Desde os primeiros momentos, temos visitado o interior da Bahia e constatado essa situação de descalabro. Temos visto comarcas há dois anos sem juízes, foruns fechados, falta absurda de serventuários. O Judiciário baiano é um exemplo negativo para o país. E isso está provado com a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de dar provimento às denúncias feitas pela OAB-BA.

P- O CNJ suspendeu o projeto do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ) sobre a nova lei de organização do Judiciário no estado, a pedido da OAB-BA. A Ordem não ficou satisfeita com o texto apresentado?
R – O problema é que o projeto é desconhecido. Ele foi elaborado a toque de caixa e já estava em vias de ser encaminhado para a Assembléia Legislativa da Bahia. Isso sem qualquer discussão, de forma completamente antidemocrática e, diria até, inconstitucional, porque os advogados não foram consultados. A própria magistratura baiana, de primeiro grau, se surpreendeu com a notícia de que a nova lei seria encaminhada à Assembléia, já que também o projeto não foi discutido com a classe diretamente contemplada. E isso tudo aconteceu num momento em que o TJ havia se comprometido a levantar os problemas do Judiciário baiano em conjunto com o CNJ. O conselho também não tinha conhecimento do projeto. Por isso, a presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie, decidiu formar uma comissão dirigida pelo conselheiro Alexandre de Moraes para estudar o texto.

P- O CNJ também decidiu abrir um processo disciplinar contra a desembargadora Aidil Silva Conceição, do tribunal baiano, por conta das suspeitas de que ela ganhou de presente um anel – devolvido depois pela magistrada, por carta – do arquiteto Fernando Frank para votar no desembargador Benito Figueiredo, atual presidente da corte. O senhor não acha que as investigações sobre as denúncias de compra de voto e tráfico de influência na eleição do desembargador deveriam ser mais amplas?
R- O CNJ abriu dois processos, um disciplinar contra a desembargadora e outro referente a suspeitas de irregularidades no concurso feito pelo TJ em 2002. Se ficar comprovada a veracidade das denúncias de compra de voto na eleição para a presidência do TJ, é um assunto gravíssimo e se trata de corrupção, através da ação de um lobista com interesses escusos. E já temos sinais que caracterizam uma confissão, através da ação da desembargadora de devolver um presente. É muito grave e preocupante essa denúncia para o cidadão da Bahia, e nós temos de penalizar os responsáveis.

P- O senhor acha que pode haver corporativismo de parte do CNJ em relação a isso?
R– Não vai haver corporativismo. O CNJ vai julgar isso de forma imparcial e justa, como tem feito até aqui.

P– O PT de São Paulo decidiu ingressar na Justiça contra a organização Transparência Brasil. Isso porque a entidade divulgou, no seu site na internet, a campanha “Não vote em mensaleiro”. Como o senhor avalia essa atitude do partido do presidente Lula?
R– Avalio como uma prova inequívoca de que o PT se desviou da ética e da moral. A Ordem sempre teve o PT como um aliado e parceiro. E eu fui obrigado, por atitudes como essa, a me afastar do PT. Essa atitude lembra muito os regimes autoritários e a ditadura, que o PT antes sempre combateu. Agora, eles querem cobrir o sol com a peneira. Essa atitude mostra que o PT é conivente com a corrupção.

P– Por conta das denúncias de corrupção, a tendência é que o PT perca muitas cadeiras no Congresso, nas assembléias legislativas e eleja um número pífio de governadores. Apesar disso, o presidente Lula continua bem nas pesquisas. Por que isso? A população esqueceu a corrupção?
R– Acho que isso se deve a uma grande síndrome de desconfiança e inconformismo da população, e não apenas por conta do prestígio pessoal do presidente, que enfrentou uma crise moral e ética. Além disso, o presidente demonstra uma capacidade de isolamento da crise muito grande, talvez em função de seu carisma popular, principalmente entre os mais pobres.

P– O senhor acha que a população acredita no argumento do presidente de que não sabia da corrupção, que afastou pessoas muito ligadas a ele, como o ex-ministro José Dirceu?
R– O presidente tentou me convencer disso, de que ele não sabia de nada. Tentou me convencer dessa ignorância dele. Essa história também não foi bem recebida pela população, com exceção, talvez, das camadas mais humildes que, de certa forma, tem menos acesso à informação.

P– Por conta dessa desinformação, o senhor não acha que a oposição deve, no horário eleitoral gratuito, lembrar os escândalos que atingem o governo Lula?
R– O mais importante é que os candidatos e os programas mostrem à população a realidade nacional, no sentido de que o povo possa fazer a opção correta através do voto. Nós da OAB estamos pedindo ao cidadão que seja ativo, que procure o caminho do novo dentro da sua cidade, do seu estado, do país, através do voto consciente. É também muito importante que a população analise a sua representação no Congresso Nacional.

P– Mas há um descrédito grande da população em relação à classe política, por conta dos escândalos de corrupção no Executivo e no Legislativo.
R-– O descrédito é fruto da impunidade. Afinal, vivemos num país em que o presidente lava as mãos quando os companheiros dele comentem atos ilícitos e, muitas vezes, acaba elogiando esses mesmos companheiros. Temos um Congresso que não consegue fazer uma pequena faxina nos casos mais graves e ilícitos. Mas, de qualquer forma, a população não pode anular o voto, porque anulando o voto, ela está se omitindo de mudar essa realidade, ela está retrocedendo, aprovando esse estado de coisas. Temos de passar o país a limpo através do voto, já que as autoridades políticas e as instituições não conseguiram tomar uma atitude de saneamento.

P– O senhor acha que a eleição está decidida? Acredita que pode haver renovação?
R– Acredito que essa eleição ainda pode surpreender nesse sentido. Acredito que o estado de letargia em relação ao processo eleitoral que vive a população está aos poucos mudando.

P– Em entrevista ao Correio da Bahia, há cerca de duas semanas, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que o Brasil vive uma crise nas instituições. Ele citou, no entanto, duas instituições que considera acima de qualquer suspeita, que é a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. O ministro não citou a OAB. O senhor acha que isso se deve ao comportamento crítico da Ordem, em especial do seu presidente, em relação ao governo Lula?
R– Acho que cabe ao ministro responder isso, porque ele não citou a OAB. Ele sabe que na minha gestão não fiz nada a mais do que seguir os ideais e metas da Ordem, as mesmas, inclusive, da gestão dele, quando o hoje ministro foi presidente da OAB. Continuamos lutando contra a imoralidade e a Ordem continua a mesma. Me parece que o ministro não pode deixar de dar credibilidade à instituição que presidiu.

P– O senhor já disse em outras ocasiões que a Polícia Federal cometeu abusos.
R– A Polícia Federal se exedeu nos meios. Às vezes, o excesso nos meios implicava em prejuízo à ação. Houve muito show pirotécnito, atentado ao estado democrático de direito. Tanto que as nossas críticas obrigaram o ministro da Justiça a baixar uma portaria regulando os meios adotados pela Polícia Federal nas ações.

P– O senhor acha que a Controladoria Geral da União cumpriu o seu papel de fiscalizar o dinheiro público?
R– A CGU não teve força para promover o controle da moralidade. Os atos ilícitos estão todos aí. Todos eles aconteceram sem que a CGU tivesse previsto.

P– A Polícia Federal de Ilhéus até hoje não concluiu o inquérito que apura a denúncia de que a vassoura-de-bruxa foi disseminada no sul da Bahia, a mando, segundo reportagem publicada na revista Veja, de militantes do PT. Isso já foi alvo de críticas da OAB na Bahia.
R– Se o fato é verdadeiro, como se afirma na região, trata-se de um crime de lesa-pátria, um crime de terrorismo biológico como nunca se imaginava dentro do país. É um dos maiores escândalos dessa República, uma coisa absolutamente escabrosa pelos prejuízos causados. Se esse ataque foi comandado em nome de mesquinhos interesses político-partidários, a situação é ainda mais grave, pois se atentou profundamente contra os direitos humanos. Em função desse problema, toda a economia daquela região ficou comprometida com a disseminação da praga, criando-se uma situação absolutamente aterrorizante. De modo que se ficar comprovada a denúncia, se cometeu um delito partidário, um delito pelo poder e contra a população indefesa daquela região e que dependia daquela lavoura.

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