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Presidente nacional da OAB avalia os 10 anos da Reforma do Judiciário

terça-feira, 30 de dezembro de 2014 às 13h55

Brasília – O presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, concedeu entrevista a TV Justiça, na qual comentou os avanços trazidos pela Emenda Constitucional 45/2004, conhecida como responsável pela Reforma do Judiciário. Após dez anos da publicação da Emenda, Marcus Vinicius falou sobre o que já foi realizado e sobre as perspectivas para o futuro.

Quando da aprovação da Emenda Constitucional 45, em 2004, e mesmo no período de discussão da lei no Congresso Nacional, o senhor se recorda o panorama do Poder Judiciário à época e as expectativas dos operadores do Direito?

A Emenda Constitucional 45 veio após a realização da chamada CPI do Judiciário, que detectou diversas irregularidades administrativas e até mesmo de conduta de juízes. Foi aí que se tornou consenso na sociedade brasileira e dos poderes públicos a criação de um órgão de controle da atuação dos magistrados e dos tribunais. Notoriamente, era preciso agir com mais transparência e disciplinamento do Judiciário, sob intensa fiscalização. Um papel central neste momento foi exercido por Márcio Thomaz Bastos. Quando presidente da OAB Nacional, ele propôs na Constituinte – que resultou em nossa Carta Magna – que constasse no texto constitucional o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para realizar o exercício do controle externo do Poder Judiciário. À época Bastos não foi vitorioso, mas quis o destino que, anos depois, enquanto ministro da Justiça, levasse as ideias de outrora para serem implementadas no âmbito da Emenda Constitucional 45. Destaco, assim, o papel central deste grande e brilhante brasileiro que foi Márcio Thomaz Bastos, já saudoso em nossa memória. Sem este cidadão símbolo do Estado de Direito, a Reforma do Judiciário não seria possível.

Qual a sua visão do cenário jurídico brasileiro antes da Emenda?

Nós tínhamos um Judiciário em ilhas no Brasil. Não havia vasos comunicantes, então era cada tribunal com sua realidade. Não havia uma visão de conjunto, ou seja, faltava sim planejamento. Tínhamos uma total falta de controle de atuação ética por parte dos magistrados. Era um Judiciário distante do povo. Claro que tínhamos juízes que sabiam que o julgador serve ao público, mas o momento institucional era de encastelamento, e não de aproximação com a sociedade.

As expectativas dos operadores do Direito daquela época foram realizadas?

A Emenda 45 é uma das inovações jurídicas mais vitoriosas e republicanas de nossa história. A criação do CNJ, do CNMP e de demais entidades frutos desta reforma abriu o poder Judiciário de modo que a mudança não foi somente estrutural, mas cultural da Justiça brasileira. Tomou-se a noção de que o Judiciário pode, sim, ser controlado pela sociedade, afinal de contas este é o papel de um poder de Estado. O cidadão é o fundamento de existência do Estado.

Para os advogados, o que mudou com a Reforma?

Em diversas áreas houve avanços. Primeiramente, o CNJ trouxe controle ético, disciplinar e de transparência à atuação do magistrado. Situação semelhante ocorreu com o Ministério Público após a instituição do CNMP. Passamos a ter um instrumento eficaz de respeito às prerrogativas dos advogados, e a prova disso é o conjunto de diversas vitórias logradas pela OAB no âmbito destes dois conselhos quanto ao desrespeito do advogado em sua atuação profissional. Em outras áreas também tivemos inovações, como é o caso dos Direitos Humanos. Os tratados internacionais sobre o tema passaram a ser institucionalizados como norma constitucional após a Emenda 45. Destaco, também, a existência da súmula vinculante, que embora polêmica, confere tratamento igualitário a cidadãos na mesma situação jurídica.

Falando em súmula vinculante, o senhor concorda com o estabelecimento deste mecanismo, assim como das férias forenses, do fim do nepotismo e outros?

Com relação ao fim do nepotismo, esta é uma bandeira histórica da Ordem. A título de curiosidade, e já que estamos falando em súmula vinculante, o fim do nepotismo foi oficialmente estabelecido por uma. E é justamente uma campanha da OAB no sentido de moralizar o Judiciário e torná-lo mais eficiente. Não dá pra tolerar, hoje, o que se via antes: um gabinete de um magistrado com filhos, esposa, parentes, enfim, pessoas que por mais das vezes sequer trabalhavam. Isso, além de ferir frontalmente o princípio republicano da moralidade, feria o da eficiência, pois o que a população quer é um servidor que preste um serviço e não um parente que emperre o andamento dos trabalhos. Sobre a súmula vinculante, o Brasil sempre bebeu da tradição jurídica do Civil Law, marcada pelo direito escrito, positivado, registrado. Por outro lado, há o direito anglo-saxão, com base no Common Law, onde entendo que a súmula vinculante aproxima o direito brasileiro desta corrente: faz com que um precedente de julgamento se transforme em uma súmula que vincula todos os julgadores do Brasil à mesma atuação. A maior vantagem é a igualdade de tratamento jurídico do cidadão em questões idênticas ou semelhantes.

Depois da Emenda 45, o Judiciário ficou mais fortalecido?

Sem dúvidas. E É inegável que o Judiciário brasileiro se aproximou do cidadão na última década. Um exemplo claro está nas defensorias públicas, por exemplo, uma luta da Ordem dos Advogados do Brasil que se materializou e tomou forma com a Constituição de 1988. Entendo que a Defensoria Pública é importante, principalmente quando se tem a consciência de que o seu papel é advogar para o pobre no Brasil. Ela existe exatamente para atender ao necessitado, àquele que não tem condições de pagar pelos serviços de um advogado. A OAB apoia integralmente todas estas movimentações no sentido de fortalecer a atuação da Defensoria Pública no Brasil.

Ainda em relação à Defensoria Pública, a Emenda 45 trouxe alguma mudança significativa?

Ela assegurou a autonomia orçamentária e financeira, dando às defensorias uma maior envergadura, um status de um órgão que deixou de ser apêndice e passou a ter um tratamento administrativo mais respeitoso. Não há dúvidas de que esta autonomia deve ser melhor implementada nos Estados, mas há uma linha crescente quanto à estruturação da Defensoria Pública. Em muitas localidades, a OAB tem acordo com os governos estaduais para que, na inexistência da Defensoria, a própria Ordem preste assistência judiciária gratuita. A população carente necessita do acesso à Justiça.

Quais os desafios daqui para a frente? Precisamos avançar? Se sim, em que áreas?

A Reforma do Judiciário não pode ser vista como uma medida estanque, tem que ser algo permanente. A Emenda Constitucional 45 foi um marco do direito positivo, que trouxe mudança cultural à Constituição. Contudo, o certo é sempre buscarmos novas vitórias. Eu vejo o CNJ, por exemplo, como um instrumento de melhorias do Judiciário que necessita ser muito bem utilizado. Recentemente, a OAB propôs a proibição de atuação de um juiz em causa na qual esteja participando um escritório de advocacia que tenha em seu âmbito um parente deste juiz. A medida foi acolhida à unanimidade, o que é importantíssimo, pois o fato deste parente apenas não ter assinado a ação – mas participado de toda ela – possibilitava ao juiz julgar a causa normalmente. Assegura-se, assim, a paridade de armas. Este é apenas um exemplo da força e da importância de bem utilizar o CNJ.

Após 10 anos da Reforma do Judiciário, qual o balanço da Emenda 45 e as perspectivas para o futuro?

A Emenda 45 significa a transição de um Poder Judiciário encastelado para um Poder Judiciário aberto ao povo, ao controle da sociedade. Embora o balanço já seja positivo, muito ainda pode e deve ser feito. É o caso do Processo Judicial Eletrônico, que é uma forma de termos um processo mais rápido, conforme roga a Emenda quando fala da razoável duração processual. Entretanto, deve ser um mecanismo de inclusão social, e jamais aceito como excludente em qualquer hipótese. A OAB firmou, neste sentido, um convênio com o CNJ, sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, para a construção de um processo eletrônico que de fato atenda às necessidades do advogado e do cidadão brasileiro. Essa visão republicana possibilitará um Judiciário cada vez mais acessível, barato. Ele (Judiciário) é tão importante quanto a Educação e a Saúde gratuitas. Além disso, queremos uma Justiça funcionando em dois turnos, conforme determinação do próprio CNJ, assim como a fixação do juiz na Comarca, para que conheça e pertença à comunidade onde atua. São exemplos de decisões meritórias do CNJ que mostram o caráter permanente da Reforma do Judiciário. O cidadão é o fundamento de validade do Estado, que deve prestar um serviço eficiente e eficaz, de qualidade.

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