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Artigo: Democracia com povo e sem golpe

sexta-feira, 30 de março de 2007 às 07h25

Brasília, 30/03/2007 - O artigo "Democracia com povo e sem golpe" é de autoria do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, e foi publicado na edição de hoje (30) da Folha de S.Paulo:

"Em artigo publicado nesta Folha ("Tendências/Debates", 21/3) - o segundo em que se ocupa da proposta de reforma política encaminhada pela OAB ao Congresso Nacional -, o eminente cientista político Bolívar Lamounier, cujos méritos acadêmicos reconhecemos, comete ("data venia") algumas impropriedades, possivelmente decorrentes de leitura apressada.

Afirma que em nossa proposta, concebida sob a orientação do jurista e professor Fábio Konder Comparato -e aprovada pela unanimidade do Conselho Federal da OAB-, o presidente da República tem "a prerrogativa de convocar plebiscitos e referendos sem ouvir o Congresso Nacional".

Ora, é exatamente o contrário.

Em contraste com todos os outros países que admitem a realização de referendos e plebiscitos, nosso projeto é o único que NÃO dá ao chefe do Executivo essa prerrogativa. Muito pelo contrário. Confere à minoria qualificada -um terço de qualquer das Casas do Congresso- a iniciativa de plebiscitos e referendos.

Isso significa, bem ao contrário do que sugere a análise, que a proposta neutraliza o rolo compressor governamental, que em regra se articula com a maioria parlamentar para barrar iniciativas contrárias a seus interesses. Nosso projeto, portanto, fortalece, sim, a posição política do Congresso perante o presidente da República. Obriga a maioria parlamentar a levar a sério a posição da minoria.

Nesses termos, consideramos desnecessário desmentir afirmações que se desdobram a partir desse pressuposto inexistente, como o de que a proposta descrê "quase totalmente" na democracia representativa. O "quase totalmente", inclusive, adquire contornos herméticos: por que o "quase"? Parece-nos tão inconsistente quanto uma "meia gravidez". Não há meia descrença: ou se crê ou não se crê. No nosso caso -e da proposta em pauta-, não só cremos como prestigiamos a democracia representativa.

O recall, inclusive, objeto de outra crítica do articulista, visa a resgatar a dignidade e a respeitabilidade da representação política. Não a suprimi-la ou a enfraquecê-la. Não é invenção nossa nem consta que, onde é adotado, haja enfraquecimento da representação política. O recall é admitido, desde o começo do século 20, em 18 unidades da Federação norte-americana: 15 Estados, o Distrito de Colúmbia, a ilha de Guam e as ilhas Virgens.

É curioso que, sendo adepto do parlamentarismo, Bolívar Lamounier julgue abusivo que pelo recall não só possa ser revogado o mandato dos chefes de Executivo e dos senadores mas também ser dissolvida a Câmara dos Deputados.

No parlamentarismo, a dissolução do Parlamento ocorre por decisão solitária do chefe de Estado. No nosso projeto, patrocinado no Senado por Eduardo Suplicy (PT-SP) e Pedro Simon (PMDB-RS), a dissolução da Câmara dos Deputados obedece, muito mais democraticamente, à iniciativa do próprio povo.

Feitos esses esclarecimentos, parece-nos despropositado o receio de que as idéias constantes do projeto da OAB "desemboquem num populismo autoritário semelhante ao regime bolivariano do coronel Hugo Chávez".

Ao que nos conste, não foi Chávez quem inventou os instrumentos da democracia direta, que remontam às origens da própria democracia -e que, no Brasil, foram acionados com êxito diversas vezes no curso da história recente. A Constituição de 1988 os estabelece, em seu artigo 14.

Em 1962, o povo foi chamado a manifestar-se a respeito do sistema de governo. A renúncia de Jânio Quadros, um ano antes, havia imposto ao país um arremedo de parlamentarismo para negar ao vice-presidente João Goulart, eleito no sistema presidencialista, o direito de governar. Era uma manobra golpista. Em plebiscito, o povo disse não ao golpe.

Em 1992, por imposição da Constituição de 1988, o povo foi novamente chamado a optar entre o regime (monárquico ou republicano) e o sistema (presidencialista ou parlamentarista) de governo. Optou pela república e pelo presidencialismo. Há dois anos, manifestou-se, em referendo, contrário à proposta que proibia o comércio de armas de fogo no Brasil. Deixou claro que não confia na eficiência da segurança que o Estado lhe oferece.

Concorde-se ou não, votou consciente e deu seu recado.

Para que esses instrumentos, que colocam o povo no centro das decisões nacionais, não sejam pervertidos em seus propósitos, podem-se acrescentar outras garantias. Uma delas: excluir de consulta direta as cláusulas pétreas constitucionais, como a república, a federação, a democracia, a periodicidade dos mandatos e a ampliação da reeleição."

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