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OAB cria comissão para debater projetos de lei sobre execução fiscal

terça-feira, 9 de março de 2010 às 15h16

Brasília, 09/03/2010 - O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu que vai criar uma comissão especial para tratar dos quatro projetos de lei que foram debatidos hoje (09), na sessão plenária da OAB, com o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams. Após a apresentação do teor dos projetos pela AGU, vários conselheiros manifestaram-se veementemente contrários aos projetos, que dão a agentes do Fisco autorização para fazerem constrições nos bens dos cidadãos sem o devido crivo do Poder Judiciário, diminuem substancialmente as competências do juiz no processo de execução e violam direitos personalíssimos previstos na Constituição, como o de garantia à proteção da propriedade.

Na avaliação de vários conselheiros da OAB, os projetos de lei 5.080/09, (que trata da cobrança administrativa da dívida ativa da Fazenda Pública); o PL 5081/09 (que dispõe sobre a dívida ativa); o PL 5082/09 (que versa sobre transação tributária); e o PLP 469/09 (que propõe alteração complementar do Código Tributário Nacional) levam o contribuinte brasileiro a perder seu direito de defesa e retiram o "escudo protetor" existente entre o cidadão e o Fisco: que é a Justiça.

Segundo o voto da relatora da matéria no âmbito do Pleno do Conselho Federal, a secretária-adjunta da entidade, Márcia Machado Melaré, os projetos propõem, ainda, que as pessoas físicas arquem com seu patrimônio caso sua empresa não quite com os débitos tributários e que qualquer pessoa que deixe de prestar informações ao Fisco ou falte com a verdade pague o crédito de maneira subsidiária. Na opinião dos conselheiros do Pleno, essa última proposição revela a intenção do governo de inverter o ônus da prova, tendo o cidadão que provar que não agiu de má-fé. Atualmente, a má-fé não pode ser presumida, deve ser provada pelo Fisco.

Grande preocupação manifestada por Márcia Melaré é com a clara redução das competências judiciais. Isso porque os projetos prevêem a criação de um sistema de investigação patrimonial do Fisco, com acesso a todos os dados financeiros e patrimoniais dos cidadãos, e até determinam que os oficiais de Fazenda Pública tenha poderes de arrombamento.

"A improvável aprovação desse tipo de iniciativa fará com que o administrado/contribuinte, que precise reaver dinheiro do Estado, procure o Poder Judiciário, enquanto o Estado, por sua vez, poderá fazer sua justiça com as próprias mãos, sem a intervenção de um juiz natural", afirmou Márcia Melaré, citando em seu voto texto de recente nota da OAB-SP, que já se manifestou sobre os projetos.

Como os projetos tramitam em regime de prioridade e fazem parte do II Pacto Republicano do governo Lula,a relatora requereu urgência na apreciação dos projetos e a realização, no curto prazo, de audiências públicas para levar o assunto a conhecimento da sociedade.

A seguir a íntegra do voto da secretária-geral adjunta, Márcia Melaré:

Processo 2010.19.000912-03

Assunto : Projeto de Lei Complementar 469/2009, que "Altera e acrescenta dispositivos à Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional " .

O Conselheiro Ulisses César Martins de Souza traz importante questão relativa a matéria tributária, em tramitação no Congresso Nacional - PLP 469/2009, apresentado em abril de 2009, de autoria do Poder Executivo, que acrescenta novos artigos, de número 122-A e 171-A, e altera os artigo 134, 151, 156, 171, 174, 198, 201 e 202, do CTN .

Dispõem referidas propostas normativas, sob a justificativa de combate à sonegação fiscal, a maior responsabilização dos sócios e gerentes por débitos de pessoas jurídicas (sociedades) e reforça a responsabilização dos administradores ou gestores, ainda que não sócios, por tributos não pagos pela empresa, dentre as inúmeras inovações.

Pelo projeto, esses dirigentes serão responsabilizados, de maneira subsidiária (ou seja, após esgotadas as possibilidades de cobrar o débito da empresas) quando:

- não comprovarem que agiram com diligência;

- tiverem autorizado a venda ou a entrega em garantia de bens da empresa sem as devidas provisões para pagamento de tributos;

- tiverem agido em desacordo com o mandato, o contrato social ou estatuto e em infração à lei;

- ou tiverem distribuído lucros, dividendos, bonificações ou outras vantagens se a empresa tiver tributos vencidos e patrimônio insuficiente para quitá-los.

A responsabilidade dos sócios não dirigentes, atualmente limitada em regra ao valor de sua participação no capital social, também aumenta, nos termos do projeto. Caso a empresa não quite seus débitos tributários, as pessoas físicas terão que arcar com esse ônus, quando restar comprovada a sua culpa pessoal pelo não pagamento, como nos casos em que, de maneira irregular, paralisarem ou fecharem a empresa.

O projeto prevê, também, que qualquer pessoa que, de maneira consciente, omitir informações requisitadas pelo Fisco, ou deixar de prestá-las em prazo razoável, ou ainda faltar com a verdade, ficará obrigada a pagar o débito, de maneira subsidiária.

A proposta estende aos créditos públicos em geral privilégios hoje assegurados apenas ao crédito tributário, como a responsabilização de terceiros pelo pagamento e a preferência sobre outras obrigações na hipótese de arrecadação dos bens, inclusive na falência, e prevê ,também , a possibilidade de o Ministério Público e os demais órgãos incumbidos de cobrar a dívida ativa quebrarem o sigilo fiscal de devedores.

A OAB/SP, através de sua Comissão Especial de Assuntos Tributário, já teve oportunidade de apreciar referido projeto de lei complementar e assim se manifestou, em parecer que foi entregue, em mãos, ao Deputado Michel Temer:

"I - O PLP 469/2009 E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

1. Alegando atualizar o Código Tributário Nacional, no que diz respeito às possibilidades de responsabilização tributária dos sócios e administradores, o PLP 469/2009 inverte a chamada presunção de inocência, consagrada pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal criando a necessidade de provar aquilo que a própria Constituição já presume suficiente, que é a boa-fé.

A proposição pretende, portanto, que se prove o que é dispensável, sob pena de ser autorizada a transferência do ônus tributário das sociedades para seus sócios, gerentes e assemelhados.

[A] a modificação ao artigo 134 que se pretende fazer incorporar ao Código Tributário Nacional [é a seguinte]:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal, pelo contribuinte, respondem subsidiariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de forem responsáveis: (...) VIII. o administrador ou gestor que: a) deixar de provar que empregou, no exercício de sua atividade, o cuidado e a diligência que se costuma dispensar à administração de negócios, cumprindo com o dever de diligência que a lei lhe incumbe.

Ademais desse tema e de outros tratados na Nota Pública sobre o art. 134, acresço a séria inclusão, no § 5º da redação proposta para alteração do mesmo dispositivo do CTN, assim vertida:

"§5º Responde subsidiariamente pelo crédito tributário quem dolosamente omitir, retardar ou prestar falsamente informações requisitadas pela Fazenda Pública."

Ora, em linha de princípio, a função de fiscalizar é do próprio fisco. Assim sendo, estabelecer uma obrigação, de caráter geral, ao cidadão, de ser obrigado a prestar informações de toda ordem à Fazenda Pública - mesmo em relações comerciais nas quais a pessoa física intervenha como mero adquirente de um bem ou serviço, por exemplo -, sob pena de torná-lo co-responsável pela dívida tributária de um terceiro!, apresenta-se como absolutamente irrazoável e desproporcional. Isto também é uma séria violação à garantia constitucional ao devido processo legal.

A redação proposta para o art. 171-A, por seu turno, indica a possibilidade de haver uma previsão compulsória de "arbitragem" para solução de conflitos entre o fisco e o contribuinte. No entanto, a justiça privada através de procedimento arbitral justamente radica na autonomia da vontade das partes e não na sua compulsoriedade. Nesse sentido, a obrigatoriedade de submeter questões envolvendo o crédito tributário - de natureza indisponível para o Poder Público - à arbitragem, prevendo que "o laudo arbitral será vinculante", causa tanto problemas de ordem jurídica para o fisco (na medida em que a solução arbitral leve à abdicação de créditos tributários) quanto para a proteção constitucional do cidadão (pois o inc. XXXV do art. 5º da CF é claro ao dispor que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito").

Ocorre, além disso, que o PLP 469/2009 foi proposto em decorrência de outros Projetos de Lei que tramitam sob a mesma mensagem de encaminhamento assinada pelo Ministro Guido Mantega. O sr Ministro, ao enviar ao Exmo. Sr Presidente da República o PL 5080/2009, que trata da cobrança administrativa da dívida da Fazenda Pública, o PL 5081/2009, que normatiza os mecanismos de cobrança dos créditos inscritos na dívida pública, mediante a regulamentação da prestação de garantias extrajudiciais e o PL 5082/2009, que trata da transação tributária, entregou, também, o presente PLP 469/2009, que altera o CTN em razão das Leis referidas que comporão um novo sistema de cobrança de créditos tributários e de responsabilização tributária . Toda essa normatização está interligada sistematicamente e foi proposta em decorrência da concretização do II Pacto Republicado de Estado, que previu uma justiça mais acessível, ágil e efetiva.

Contudo, referidos PLs 5080, 5081 e 5082, de 2009, tal como o discutido nesta sessão (PLP 469/2009), merecem uma sistemática e profunda reflexão, mediante debates urgentes, não só internamente, mas com as autoridades e órgãos envolvidos na melhoria do sistema tributário nacional, mediante a preservação dos direitos e garantias dos contribuintes.

Um aspecto de profunda preocupação, a ser sem dúvida aprofundado nas análises do Conselho Federal, diz respeito à diminuição substancial das competências judiciais, tal como pretendido pelos projetos de lei em comento:

"1.1. A exposição de motivos não esconde a intenção:

2. Atualmente, a execução fiscal no Brasil é um processo judicial que está regulado na Lei n° 6.830, de 1980. Nos termos desta Lei, todo processo, desde o seu início, com a citação do contribuinte, até a sua conclusão, com a arrematação dos bens e satisfação do crédito, é judicial, ou seja, conduzido por um Juiz. Tal sistemática, pela alta dose de formalidade de que se reveste o processo judicial, apresenta-se como um sistema altamente moroso, caro e de baixa eficiência.

12. A proposta ora apresentada orientou-se pela construção de um procedimento que propicie a integração da fase administrativa de cobrança do crédito público com a subseqüente fase judicial, evitando duplicidade de atos e reservando ao exame e atuação do Poder Judiciário apenas demandas que, sem solução extrajudicial, tenham alguma base patrimonial para a execução forçada.

1.2. Essa intenção é confirmada por proposições que:

(a) criam um sistema de investigação patrimonial com acesso a todos os dados financeiros e patrimoniais dos cidadãos;

(b) autorizam que as constrições sejam feitas por Oficiais da Fazenda Pública sem a interferência do Poder Judiciário;

(c) equiparam a fé pública dos Oficiais de Justiça à dos novos Oficiais da Fazenda Pública;

(d) determinam ao Poder Judiciário que autorize aos Oficiais de Fazenda Pública poderes de arrombamento; e,

(e) sujeitam todas as medidas apenas a um posterior crivo do Poder Judiciário, uma vez que as constrições e registros dar-se-ão administrativamente.

.....

Ocorre que, em nosso sistema jurídico não pode haver transferência patrimonial forçada sem o crivo prévio do sempre imparcial e equidistante Poder Judiciário. Interessante destacar que a improvável aprovação desse tipo de iniciativa fará com que o administrado/contribuinte, que precise reaver dinheiro do Estado, procure o Poder Judiciário, enquanto o Estado, por sua vez, poderá fazer sua justiça com as próprias mãos, sem a intervenção de um Juiz Natural.

......" (texto da Nota Pública da OAB/SP)

Um outro ponto da mais alta relevância, como demonstra a leitura das justificativas do próprio Poder Executivo, é que a OAB não participou das discussões pertinentes à "modernização" da legislação pátria de execução fiscal. Ou seja, os advogados foram simplesmente excluídos de qualquer debate prévio dos textos dos projetos de lei ora submetidos ao Congresso Nacional. Isso, sem dúvida, explica, ao menos em parte, a grave violação a direitos e garantias fundamentais que se verifica ao longo da leitura dos PLs. Continua a exposição de motivos do Poder Executivo:

3. Dados obtidos junto aos Tribunais de Justiça informam que menos de 20% dos novos processos de execução fiscal distribuídos em cada ano tem a correspondente conclusão nos processos judiciais em curso, o que produz um crescimento geométrico do estoque. Em decorrência desta realidade, a proporção de execuções fiscais em relação aos demais processos judiciais acaba se tornando cada vez maior.

4. Note-se que o número de execuções fiscais equivale a mais de 50% dos processos judiciais em curso no âmbito do Poder Judiciário. No caso da Justiça Federal, esta proporção é de 36,8%, e retrata o crescimento vegetativo equivalente ao da Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. (...)

29. Ressalte-se, ainda, que a retirada de parte do trâmite das execuções fiscais do âmbito do Poder Judiciário terá importante impacto positivo na velocidade da própria prestação jurisdicional. Como já salientado, o Poder Judiciário vive momento de grave congestionamento a impedir uma prestação jurisdicional célere. A adoção da via administrativa para a execução fiscal aliviará o Poder Judiciário de pesado fardo, liberando importantes recursos materiais e humanos que poderão ser empregados na rápida solução de lides que, hoje, levam anos para serem julgadas. (...)

34. Ademais, o modelo que ora se propõe tem respaldo no objeto da Consulta Pública n.º 01/2005, visando propor um anteprojeto de lei voltado à revisão da Lei n.º 6.830 de 22 de setembro de 1980, Lei de Execução Fiscal, apresentado pelo Conselho da Justiça Federal, tendo em vista o interesse geral de que se reveste a matéria, havendo sido elaborado a partir de proposta formulada por comissão formada no âmbito do Conselho da Justiça Federal, coordenada pelo Ministro Teori Zavascki e de idéias contidas no anteprojeto de lei de execução fiscal administrativa idealizado pela PGFN, na pessoa do Procurador-Geral Dr. Luís Inácio Lucena Adams, no sentido de agilizar a cobrança da Dívida Ativa.

35. O grupo de trabalho foi composto por representante da AJUFE, Juiz Federal Marcus Lívio Gomes e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Procurador da Fazenda Nacional Paulo César Negrão, sendo as conclusões apresentadas ao Presidente da Ajufe, Juiz Federal Walter Nunes da Silva Júnior e ao Procurador Geral da Fazenda Nacional, Dr. Luís Inácio Lucena Adams e ao Coordenador-Geral da Justiça Federal, Ministro Gilson Dipp.

Não houve, assim, nenhum representante da OAB oficialmente convidado a integrar a comissão de trabalhos que elaborou os textos dos referidos projetos de lei, não obstante os profundos e significativos impactos nos direitos de defesa do cidadão.

Como visto acima, por outro lado, a justificativa básica apresentada pelos PLs ora perfunctoriamente comentados para que os processos judiciais de execução fiscal passem para o próprio fisco, pelas mãos da Procuradoria da Fazenda Nacional, é a ineficiência do Poder Judiciário. Assim, alega o Poder Executivo, aumentar a sua competência, abarcando aquela que hoje pertence aos tribunais, aliviaria "um pesado fardo" do Judiciário.

O argumento não convence. Se os elevados recursos materiais que serão necessários para aparelhar a Procuradoria da Fazenda Nacional para as pretendidas funções judiciais fossem canalizados, como se deve, para o próprio Poder Judiciário, aí sim estarão preservadas as instituições, a harmonia entre os Poderes da República e respeitados caros e inerentes direitos da cidadania. Enaltecendo-se o Poder Judiciário, ganha a Democracia e aprofundam-se os fundamentos do Estado de Direito.

A Nota Pública da OAB/SP demonstra, por outro lado, que na realidade não há investimentos em Varas Judiciais para bem permitir a cobrança célere de créditos tributários:

"2. A motivação [de ineficiência do Poder Judiciário], assim como um castelo de cartas, não resiste a um sopro. A ineficiência da cobrança judicial é de responsabilidade da própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Em parte, pela falta de recursos humanos, em outra parte, pela falta de gestão adequada de seus dados.

Um exemplo é suficiente. A cidade de Guarulhos, localizada na Grande São Paulo, possui o 8º Produto Interno Bruto (PIB) do País, sendo uma cidade com imensa quantidade de empresas e indústrias. Lá, também é localizado o mais importante aeroporto internacional do País, Cumbica. Diante de um cenário de grande carga tributária e proporcional número de inadimplentes seria de se esperar que lá houvesse procuradores suficientes e Varas de Justiça Federal para que os processos de execução fiscal fossem bem encaminhados. Seria, mas não é.

Os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça demonstram que lá apenas há uma única Vara Federal especializada em execuções fiscais, com cerca de 40 mil processos, e um único juiz. Comparando-se com as demais varas cíveis ali instaladas, a situação torna-se constrangedora, porque as Varas Federais Cíveis possuem apenas, cada uma, média de 3,3 mil processos, nada justificando a não transformação de uma ou mais Varas Cíveis em Varas especializadas em execuções fiscais. Os dados da capital do Estado de São Paulo não ficam distantes.

Ainda, no campo dos exemplos, a comarca de Paulista, no interior de Pernambuco, é ainda mais reveladora. A única Vara de Fazenda Pública possui cerca de 105 mil processos, sendo 5 mil sortidos e cerca de 100 mil execuções fiscais com valores que variam de dezenas a milhões de reais. E nesse rol de processos há alguns sem atuação alguma da procuradoria exequente em períodos constrangedores de mais de cinco anos.

3. Em cenário de ineficiência da cobrança da dívida ativa como esse, relevando (i) a falta de recursos humanos e (ii) a adequada gestão dos dados das procuradorias, vincular essa ineficácia, apenas e exclusivamente, à falta de estrutura do Poder Judiciário é algo sem sentido. Ofensivo à dignidade da Justiça.

4. E, na sequência, com base nessa desfocada fotografia, pretender-se retirar do crivo judicial a transferência forçada de patrimônio dos particulares para o Estado é algo que se torna, indiscutivelmente, inconstitucional e ofensivo às noções básicas de Estado de Direito, situação que não pode ser ignorada.

Destaco que também recebi as notas taquigráficas do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, que se reuniu em 21 de setembro de 2009 na presença do Deputado Michel Temer, para avaliar alguns aspectos dos projetos ora em discussão.

Um tema a ser analisado com maior reflexão por este Conselho, diz respeito ao papel da Procuradoria da Fazenda Nacional. Nas referidas notas taquigráficas da reunião, acresce destacar ponderações do Professor Ives Gandra da Silva Martins, que sublinha o fato de que, se a Procuradoria da Fazenda Nacional passar a exercer funções de características judiciárias, isto tornaria a função dos Procuradores da Fazenda Nacional incompatível com o exercício da advocacia. Assim, na medida em que representassem a União Federal no âmbito da execução da dívida ativa tributária com papel parcial de juízes (promovendo atos típicos do início do processo de expropriação do executado, com a penhora administrativa e julgando exceções de pré-executividade), estariam incompatibilizados com o exercício da advocacia.

Do próprio Deputado Michel Temer, por outro lado, as seguintes observações são significativas:

"[O] Executivo propôs uma coisa extremamente centralizadora, não teve a atenção para um preceito constitucional que diz que nenhuma lesão a direito individual será excluída da apreciação do Poder Judiciário. Queiramos ou não, o direito a propriedade é um direito individual. Quando diz nenhuma lesão será excluída da apreciação do Poder Judiciário, quer significar nenhuma lesão ou perspectiva de lesão poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. Ora, se a propriedade é um direito individual, assim catalogada no artigo quinto, a penhora é uma constrição, tem uma redução na capacidade da propriedade, se você tem isso, você tem uma perspectiva de lesão definitiva a um direito individual. Se a Constituição diz que nenhuma lesão a direito individual será excluída da apreciação do Judiciário, por óbvio o Poder Executivo não poderia tomar a providência de fazer essa constrição, de fazer essa penhora para [então] submetê-la ao Judiciário." (cf. Notas Taquigráficas)

Colho, por fim, relevantes observações de Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP e que tem, com preocupação crescente, participado, do ponto de vista técnico, dos debates sobre alguns dos temas ora tratados, nos últimos três anos. Na mesma reunião da Federação do Comércio, alertou relativamente ao projeto de lei de transação, que no final das contas tratar-se-ia de possibilidade de solução casuística de anistias ad hoc. Ou seja, ao contrário do que ocorre atualmente, em que a Anistia (perdão total ou parcial de multa e juros) se dá por lei a todos os contribuintes que estiverem na mesma situação, pelo projeto de transação estaria estabelecida a discriminação entre os cidadãos. Isto porque o Procurador da Fazenda Nacional teria liberdade para escolher a quem seria concedido o perdão das penalidades e juros e em que condições, colocando séria dúvida sobre a constitucionalidade da pretensão, também sob a ótica do princípio da isonomia!

Um outro ponto para reflexão também discutido na reunião em comento, ainda nesta análise geral dos projetos, diz respeito ao fato de que, embora o tempo todo se fale do enorme estoque fiscal de débitos tributários não cobrados, nada se diz sobre a possibilidade de sua compensação com Precatórios. Estes, mutatis mutandis, são a outra face da moeda: as dívidas líquidas e certas do Poder Público que não são pagas para o cidadão! Igualmente, nada se refere aos processos fiscais de ressarcimento (ou seja, de repetição do indébito) de valores recolhidos indevidamente pelo contribuinte, que permanecessem por anos sem qualquer análise do Poder Público.

Assim, ao mesmo tempo em que se propugna velocidade na cobrança da dívida tributária - ao que obviamente a OAB nada tem a opor se respeitados os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, ao que os projetos de lei ora em análise se apresentam com sérios vícios - deve-se, no mesmo passo, serem estabelecidos procedimentos legais para celeridade no pagamento dos débitos do Poder Público para o cidadão.

Senhores Conselheiros,

Tivemos a honra de receber, aqui na entidade, em 11 de fevereiro de 2010, o Exmo. Sr. Dr. Luis Inácio Lucena Adams, Advogado-Geral da União, e de suas mãos os quatro Projetos de Lei, para análise e manifestação (autuado sob protocolo n. 2010.18.00770-01). Hoje o recebemos neste Plenário, no qual manifestou as razões que o fazem sustentar o apoio à referida proposta de legislação.

Contudo, como visto, os temas tratados nos diversos PLs são muito abrangentes e as razões de rejeição aos mesmos, algumas já trazidas na Nota Pública emitida pela OAB/SP e os outros aspectos que ora apresentei acima são fundamentados e impressionam quanto aos pontos constitucionais e legais envolvidos.

Assim sendo, à vista da complexidade, relevância e magnitude das propostas, que afetam diretamente milhões de contribuintes, deve o Conselho Federal, imediatamente, iniciar estudos técnicos, discussões temáticas e viabilizar audiências públicas com autoridades do Congresso Nacional, órgãos que compõem o Ministério da Fazenda, a Advocacia Geral da União, e outras entidades representativas da sociedade, sobre os Projetos aqui referidos.

Opino, assim, (i) pela urgência da questão (em vista da criação de Comissão Especial na Câmara dos Deputados para votação dos projetos de lei em regime de prioridade) e (ii) pela abrangência da matéria tratada e conteúdo eminentemente técnico da temática - sendo que vários aspectos já vêm sendo discutidos por especialistas nos últimos três anos -, que haja a imediata criação de uma comissão específica e especial para coordenar as discussões técnicas sobre referidos projetos de Lei. Isto inclusive para viabilizar, em curto prazo, as audiências públicas e os debates com o Congresso Nacional, Ministério da Fazenda e AGU, além de demais entidades representativas de segmentos profissionais e empresariais relevantes.

Submeto a discussão do tema aos meus pares,

Brasília, 09 de março de 2010

Márcia Regina Machado Melaré
Conselheira Federal
Secretária-Geral Adjunta - CFOAB

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