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Fattorelli: dívida externa virou interna e caiu em mão estrangeira

quinta-feira, 10 de abril de 2008 às 07h00

Brasília, 10/04/2008 – Diante das mais altas taxas de juros do mundo e da ampla abertura do mercado financeiro aos capitais internacionais, além das isenções fiscais de CPMF desde 2003 e isenção do Imposto de Renda desde 2006 aos estrangeiros que investem em títulos da dívida interna, grande parte dela (da dívida interna) está hoje nas mãos de estrangeiros. Este alerta foi lançado pela coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorrelli, para quem foi uma “farsa” o anúncio do governo Luiz Inácio Lula da Silva de que a dívida externa do País acabou: ela apenas mudou de lugar, além de ter aumentado violentamente em razão dos juros altíssimos pagos pelo Brasil. Ela fez esta análise durante abertura do seminário sobre Dívida Externa promovido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Coordenado pelo conselheiro federal Aristoteles Atheniense (MG), o debate foi conduzido pelo presidente da entidade, Cezar Britto, e o vice-presidente, Vladimir Rossi Lourenço.

“Aqueles conceitos antigos, de dívida externa e dívida interna, já não são válidos, diante da nova conjuntura; hoje boa parte da dívida está em mãos estrangeiras; então, como fica o discurso de que acabou?”, indagou Fattorelli durante o debate, que reuniu conselheiros federais da entidade, presidentes das Seccionais da OAB e representantes de diversas entidades. Segundo a especialista, na realidade, a dívida externa atingiu US$ 235 bilhões em dezembro de 2007 e continua crescendo. Enquanto isso, a dívida interna atingiu no mesmo período R$ 1,4 trilhão – tendo entre os credores grande número de estrangeiros – tendo aumentado 40% nos últimos dois anos. Somente o governo federal, conforme Fattorelli, gastou 31% de seus recursos do orçamento com juros e amortizações da dívida em 2007. Diante esses e outros números dramáticos, ela insistiu na necessidade da auditoria da dívida e no papel que a OAB desempenha nessa tarefa.

A seguir, a íntegra do pronunciamento de Maria Lucia Fattorelli no debate promovido pela OAB Nacional (SEM REVISÃO):

“Boa tarde a todas e todos. Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer ao Presidente Cezar Britto pela oportunidade de expor aqui esse assunto, de expor o nosso trabalho enquanto cidadãos, nessa campanha que nós denominamos “Auditoria Cidadã da Dívida”.

Quero cumprimentar a todos os presentes e iniciar sem demora, para termos oportunidade de ouvir a todos. Agradecendo, também, a presença de vários componentes do Conselho Político da Auditoria Cidadã da Dívida, que vieram prestigiar esse evento, e colegas de trabalho também.

Bom, eu vou precisar de ajuda para passar, ali, o power point. Pode passar a tela, por favor.

Queria iniciar dizendo que é uma honra poder estar aqui, neste Plenário. Porque a OAB representa uma das principais trincheiras de luta pela justiça no nosso País. Nos tempos sombrios da ditadura militar, essa foi uma Casa que representava um foco de esperança. E, agora, nós estamos vivendo uma outra ditadura, muito mais perversa, que é a ditadura do capital.

Eu digo mais perversa, em certo aspecto, porque hoje, quando desaparecem os corpos, quando temos a questão do desrespeito aos direitos humanos, que acabou de ser mencionado pelo Conselheiro, poucos sabem explicar quais são os responsáveis por essas injustiças.

Enquanto os mercados financeiros consomem mais da metade do orçamento público, por causa da dívida, nos temos, vergonhosamente, no nosso potencialmente tão rico País, cerca de 50 milhões de pobres e mais 34 milhões de miseráveis.

E é importante mencionar o que a estatística considera miserável: quem ganha até R$ 125,00 por mês. E o que a estatística considera pobre? Quem ganha até R$ 266,00 por mês. Se nós considerarmos um número real, o que significa ser pobre, cerca de ¾ da população brasileira é pobre.

E isso é um contra-senso, porque nós remuneramos o capital à taxa de juros mais elevada do mundo. Nós somos o País mais generoso, em termos de remuneração do capital. No entanto, ocupamos uma das piores posições mundiais em distribuição de renda, ou seja, no Brasil a renda é super concentrada. E relativamente aos direitos humanos, nós ocupamos a 63ª posição, atrás de países que têm uma situação muito mais complicada do que a nossa, como Macedônia, Malásia, dentre outros. Pode passar.

No Brasil, a fome ainda é uma triste realidade. E milhões de crianças e jovens estão definitivamente condenados ao não-futuro. Com relação à distribuição de renda, o relatório da ONU, de 2005, que é o último nesse tema, mostra que nós perdemos apenas para sete países no mundo: seis países africanos e a Guatemala aqui, na América Latina, quer dizer países que não podem ser comparados com o Brasil. Pode passar.

E por que essa situação? A questão de fundo, nessa situação injusta, do nosso País, é a questão do endividamento público. Por isso, mais uma vez, é necessário que a OAB assuma a sua liderança histórica, colocando em posição de destaque em sua pauta o tema do endividamento público interno e externo, e a necessidade urgente de uma completa auditoria deste processo, a exemplo do Governo do Equador.

Eu quero aproveitar essa oportunidade para divulgar que no ano passado, em 2007, o governo equatoriano baixou um decreto e está realizando auditoria oficial de sua dívida, por meio de uma Comissão. E, nessa Comissão, ele designou pessoas dos órgãos públicos do Equador, juristas, professores, cidadãos equatorianos, e designou, também, seis estrangeiros para ajudar nesse processo, lá nessa comissão. E nós tivemos a honra de ser designados para ajudar nesse processo. Então, nós já temos uma experiência atual, oficial, em andamento. Então, é mais uma oportunidade de participação. Pode passar.

Como estava dizendo: o momento é oportuno para abordarmos esse tema do endividamento. Em primeiro lugar, diante da declaração do governo de que a dívida acabou, de que o País ocupa uma posição credora, distorcendo flagrantemente a realidade dos fatos. Temos, aí, uma necessidade de conhecer e de divulgar a verdade, sobre o tema do endividamento.

Um outro ponto, que nos coloca como momento oportuno é, exatamente, a necessidade de apoio jurídico a essa auditoria equatoriana. Penso que seria muito importante para a OAB poder contribuir com esse processo, com essa iniciativa soberana do Equador.

E, em terceiro lugar a possibilidade de CPI da dívida na Câmara dos Deputados, porque já foram coletadas assinaturas suficientes para a instalação de uma CPI da dívida na Câmara dos Deputados. E se essa CPI vier a ser instalada, como outro dia o Presidente Arlindo Chinaglia chegou a se manifestar, dizendo que deve ser instalada, a OAB deve estar vigilante, deve ajudar a fiscalizar esse processo, para não perdermos essa oportunidade e não colocarmos a participação cidadã neste processo. Pode passar.

Bom, conhecendo a realidade, alguns conceitos, primeiro, precisam ser revistos. Nós costumávamos divulgar, estudar que a dívida externa era a dívida contraída em moeda estrangeira, fora do País. Ocorre que desde 2005 e, mais aceleradamente, a partir de 2006, o governo brasileiro está lançando títulos da dívida externa em reais. Isso pode ser visto... tem um endereço ali, que não está dando para visualizar, mas eu vou deixar esse material todo aí, à disposição e também está sendo distribuído um texto, quem não recebeu e quiser receber é só levantar a mão que as nossas estagiárias podem entregar. Olha aí, Helena e Laila, vejam quem está levantando a mão e distribuam, por favor. Então, é um texto onde tem todas essas informações que eu estou dando aqui.

Nós verificamos nessa tabela, divulgada pelo Tesouro Nacional, que o governo brasileiro está emitindo, no exterior, títulos da dívida externa em moeda nacional, em reais. E esse é um ponto que merece investigação, inclusive de ordem jurídica. Porque isso começou a acontecer exatamente quando o dólar entrou em queda livre. Ou seja, esse procedimento, do Brasil lançar títulos em reais, só interessa para o investidor estrangeiro, porque ele coloca o seu investimento numa moeda que está se valorizando frente ao real. O dólar está se desvalorizando frente ao real. Então, o investidor colocar o seu investimento em uma moeda, que é o real, que está se valorizando. Então, é um contra-senso, é uma das medidas que envolvem dano às finanças do País e merece ser juridicamente investigado. Pode passar.

Outro conceito que a gente tem que ver. Nós costumávamos estudar que a dívida interna é a dívida em moeda nacional, contraída dentro do território nacional. É a dívida contraída com os residentes no País, com os cidadãos do País. Só que, o que está acontecendo hoje, aqui, no Brasil? Diante da total abertura do mercado financeiro, diante do incentivo do governo, de conceder isenção de Imposto de Renda desde 2006, e isenção de CPMF desde 2003, ao estrangeiro que investe em títulos da dívida interna, grande parte da dívida interna, hoje, está na mão do estrangeiro. Então, aqueles conceitos antigos, de dívida externa e dívida interna, já não são válidos, diante da nova conjuntura. Hoje, boa parte, então, da dívida interna, está nas mãos de estrangeiros. Pode passar.

E aí? Como fica esse discurso? A dívida acabou? O que está acontecendo com a dívida externa brasileira? Na realidade, ela atingiu 235 bilhões de dólares em dezembro de 2007, continua crescendo. O pagamento antecipado para o FMI, que foi, inclusive, divulgado, na época da campanha eleitoral, como um trunfo, de que a dívida brasileira acabou, o gráfico ali mostra aquela pequena queda, que significa o pagamento antecipado ao FMI, que nós vamos ver em seguida, que foi uma operação também financeiramente não interessante ao País.

O governo faz um discurso de que parte dessa dívida externa, aliás, a maior parte, é privada. De fato, a maior parte é privada. No entanto, não foram poucas vezes, na história, em que a dívida externa privada foi estatizada. Porque toda ela tem o aval do Governo Federal. E, além disso, o governo é obrigado a transformar em moeda estrangeira, para o pagamento. Então, toda a dívida externa é de responsabilidade do governo.

E quanto à dívida interna? Como está o movimento da dívida interna? A dívida interna atingiu 1 trilhão e 400 bilhões de reais em dezembro de 2007. Cresceu nada menos de 40% nos dois últimos anos. Quarenta por cento! Isso significa um grande comprometimento do nosso futuro. Pode passar.

Além disso, além do estoque da dívida ser extremamente preocupante, esse gráfico, eu não sei se está dando para os senhores verem, mas se não estiver, tanto no texto quanto na cartilha que foi distribuída ele pode ser visto, na página 9 dessa cartilha que foi distribuída. Nós vemos, aí, o Orçamento executado de 2007. Os juros e amortizações da dívida consumiram quase 31% de todos os recursos que foram gastos no Brasil.

Esse quadro já seria o suficiente para fazermos uma longa análise aqui, a tarde toda. Por quê? Por exemplo, o quanto foi destinado para educação? 2,58%. Quanto foi destinado para a saúde? 5,17%. Para saneamento... Nós estamos em tempo de discutir saneamento público, porque doenças que já estavam erradicadas no nosso País voltaram, com força, atingindo até a capital do País. E isso tem a ver com o investimento em saneamento. Quanto foi investido em saneamento, em 2007? 0,01%.

Enquanto isso, 31% para a dívida. Aqui nós podemos explicar a razão do sucateamento do País, do desrespeito aos direitos humanos, da ausência de serviços como educação, saúde, moradia, o próprio saneamento, reforma agrária, e toda a... até a questão do apagão aéreo nós podemos estudar a partir deste gráfico aqui, da destinação de recursos.

Então, diante desse privilégio da destinação de recursos, como dizer que a dívida não é mais problema? O próximo gráfico, ele mostra uma destinação de 53% para endividamento. Esse gráfico considera a rolagem da dívida, e que tem que ser considerada, porque é aquela dívida que não é paga no ano, ela é trocada por novos títulos. Então vejam, se considerarmos a dívida que foi rolada, 53% do Orçamento foi destinado ao endividamento. Pode passar, por favor.

Bom, diante disso, eu queria abordar alguns aspectos que demandam atenção especial por parte dos advogados, e aprofundamento de estudos jurídicos. Quero abordar esses aspectos, porque há um grave equívoco de diagnóstico, de que o tema do endividamento deveria ser tratado por economistas, por estatísticos, por contadores. Mas não só. O tema do endividamento necessariamente precisa ser tratado pelos advogados. Em primeiro lugar porque o controle do endividamento não está sendo bem executado, no nosso País, atribuições legais não estão sendo cumpridas, como nós vamos ver.

Está ocorrendo, seguidamente, dano às finanças do País, em diversas operações, que nós vamos mencionar. Estão acontecendo ilegalidades, tremendas ilegalidades, principalmente uma cláusula chamada “cláusula de ação coletiva”, que foi inserida nos títulos da dívida externa desde 2003, essa cláusula transfere o foro de discussão de qualquer litígio relacionado com a dívida para Nova York, abrindo mão da nossa soberania. E, também, a questão do desrespeito aos direitos humanos, que estava, justamente, sendo discutida aqui, antes do início do nosso seminário. Por isso, há necessidade de envolvimento ainda mais incisivo e coletivo, por parte da OAB. Pode passar, por favor.

O primeiro ponto que eu queria abordar aqui é que no exercício de atribuições legais de controle do endividamento público, por diversos órgãos – Senado Federal, Controladoria Geral da União, Tribunal de Contas da União, Procuradoria da Fazenda – o endividamento está ficando de lado. O Senado, pela Constituição Federal, tem obrigação de acompanhar todas as operações e, inclusive, autorizar as operações de crédito externo. O que o Senado fez? Publicou uma Resolução nº 20, de 2004, autorizando o Poder Executivo a emitir títulos da dívida externa até o volume de 75 bilhões de dólares. Então, até o limite de 75 bilhões de dólares não tem que passar pelo Senado. É uma verdadeira carta branca ao Poder Executivo e, de certa forma, abrindo mão da sua atribuição de controle.

A Controladoria Geral da União e o Tribunal de Contas da União têm feito programas importantes de controle dos gastos públicos no País, exceto com relação ao endividamento público que, como nós vimos, é a rubrica de gastos mais significativa.

A Procuradoria da Fazenda Nacional tem, dentre seu rol de atribuições, acompanhar, autorizar, analisar todos os contratos assumidos pelo Estado brasileiro, e inclusive manter registros desses contratos. No entanto, deixou de responder a um requerimento do Congresso Nacional, de fornecimento de cópias desses contratos, afirmando que não tinha pessoal suficiente para buscar essas cópias.

Diante disso, eu pergunto: quem está exercendo o controle do endividamento público, no nosso País? Quem está exercendo este controle? Se a OAB, se os advogados do Brasil, que tem o conhecimento das leis, que tem acesso a essas atribuições legais de todos os órgãos, se a OAB não cobrar, nós vamos esperar que qual órgão, qual entidade que vai exercer esse papel? Isso, então, esse processo, responsável pela maior rubrica de gastos no País, o controle está deixando muito a desejar. Pode passar.

O segundo ponto: por que é necessário controlar? Uns números bem recentes: o prejuízo do Banco Central, agora, nos dois meses de 2008, foi de quase 10 bilhões de reais, sendo 17 bilhões com perdas de variações cambiais, por causa da farra, que nós vamos falar em seguida, com os títulos da dívida interna. O crescimento da dívida interna, nesses dois primeiros meses, foi de 51 bilhões. O crescimento da dívida externa, 7 bilhões de dólares, e o superávit primário, 27 bilhões de dólares. Só esses números, agora, de dois meses, já mostram uma necessidade de controle.

No ano passado, o prejuízo do Banco Central foi de quase 50 bilhões de reais. Totalmente arcado, bancado pelo Tesouro Nacional. Dá quase uma CPMF e meia. Os senhores se lembram da gritaria por conta do fim da CPMF. Pois o prejuízo do Banco Central foi praticamente uma CPMF e meia. Quem ouviu falar sobre isso? Pode passar.

A dívida, na verdade, está sendo uma ferramenta de transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado. Ela está servindo como essa ferramenta. Por isso é que nós defendemos uma auditoria. Essa verdade precisa vir à tona.

A dívida representa privilégios aos especuladores, como as maiores taxas de juros do mundo, uma política de priorização total do pagamento da dívida, isenção fiscal para os estrangeiros que investem títulos da dívida interna, como já mencionamos. Pode passar.

O momento atual merece uma atenção especial. Olha só, nesse gráfico, o movimento da entrada dos principais fluxos financeiros no País. Até pouco tempo, a linha azul que os senhores vêem, representa o saldo comercial, ou seja, o maior responsável pelo ingresso de moeda estrangeira no País, até pouco tempo, eram as exportações. Agora, de 2006 para cá, a linha vermelha que vocês vêem, superou a linha azul, que era do saldo comercial. E o que é a linha vermelha? Os empréstimos, os investimentos estrangeiros em títulos da dívida interna.

Ou seja, está entrando, no País, diariamente, um volume imenso de moeda estrangeira. Porque em lugar nenhum do mundo o investidor encontra o rendimento que encontra aqui com a isenção tributária que encontra aqui, e com a liberdade de entrar na hora que quiser e ir embora na hora que quiser, sem limite, sem nenhum controle, seja de prazo de permanência, seja de tributação, seja de explicação do motivo, nada, liberdade total. Então, em lugar nenhum do mundo existe isso. Por isso que os investidores estão vindo em massa, investir em títulos da dívida pública brasileira. Pode passar.

E o que é que o Banco Central faz, com esse volume de dólares que entra no País? Com um único detalhe: o dólar em queda livre, como mostra esse gráfico. Pode passar para o gráfico seguinte. O Banco Central transforma esses dólares em reservas, como mostra o gráfico. Olha o pico que o gráfico mostra, do aumento das nossas reservas internacionais. Essas reservas estão representadas em dólares. A maioria delas investidas em títulos da dívida americana. Ou seja, estamos financiando os Estados Unidos, comprando a dívida americana, que não paga quase nada.

E como que o Banco Central faz com o estrangeiro que traz esses dólares? Ele recebe esses dólares do estrangeiro e entrega reais para esse estrangeiro. Só que essa operação pode representar um aumento da base monetária, falando de “economês”, ou seja, um excesso de moeda circulante no País. Isso pode provocar inflação. Então, ao mesmo tempo que o Banco Central entrega esses reais aos estrangeiros, ele emite títulos da dívida interna, para enxugar a base monetária.

Ou seja, em resumo, os estrangeiros trazem os dólares para o Brasil, o governo brasileiro transforma esses dólares em reais, entrega para esses estrangeiros títulos da dívida interna brasileira, que paga os maiores juros do mundo. Em contrapartida, o Banco Central usa esses dólares para comprar títulos da dívida americana, que não paga quase nada. Por isso é que o prejuízo do Banco Central, o ano passado, foi quase 50 bilhões, e nos dois primeiros meses deste ano já foi quase 10 bilhões.

Além disso, o estrangeiro fica com o real, que é uma moeda que está se valorizando, frente ao dólar, e o Banco Central fica com o dólar, que está se desvalorizando. Essa operação tem sido praticada continuamente, desde finais de 2006. A quem interessa esse tipo de operação, que provoca esse prejuízo brutal para as finanças do País? Eu pergunto: a quem interessa? Por que o governo brasileiro está agindo assim? Merece ser investigado. Pode passar.

Esse quadro mostra o crescimento do investimento brasileiro em reservas dos títulos da dívida americana. Pode passar.

Esse aí mostra o que eu acabei de falar, ou seja, o aumento das reservas internacionais significa, na verdade, uma explosão da dívida interna brasileira. Pode passar.

E o que essa operação, que está significando prejuízo brutal para o Banco Central, o que ela está significando para os estrangeiros? Para dar uma idéia: o estrangeiro que entrou aqui ano passado, 1º de janeiro, com dólar, e comprou título da dívida interna, e saiu em 31 de dezembro, transformou em dólar, ele ganhou 32,13% líquido, sem tributação. Quem que consegue um rendimento desses? Em euro, ganhou 22,25%. Por isso é que a maioria que entrou aqui foi dólar, quer dizer, os especuladores estão se livrando do mico do dólar, que está em queda livre, e o Banco Central está ficando com este mico. E alguém está pagando essa conta. Esse alguém somos nós, é o povo brasileiro. Passa, por favor.

Esse quadro aí ilustra essa operação. Que mostra ali, no primeiro quadrinho, o movimento: os investidores estrangeiros vêm, entregam dólar para o Banco Central, o Banco Central devolve o real. Os investidores investem em título da dívida interna, o Banco Central investe em bônus americano, financiando a dívida americana. Pode passar.

A conseqüência dessa política econômica é um contínuo aumento do prejuízo do Banco Central. Em 2005, o prejuízo do Banco Central foi de 10 bilhões, em 2006 foi de 13, em 2007 foi de 47, nos dois primeiros meses deste ano já foi de quase 10. Enquanto isso, os bancos comerciais aqui, no Brasil, acumulam os maiores lucros do mundo. Pode passar.

Bom, além dessa questão atual, que eu acabei de falar, que é a transformação de dívida externa em interna, nós temos várias outras operações que precisam ser investigadas. E eu só vejo a OAB, neste momento, para tomar frente dessa luta.

O pagamento antecipado para o FMI, em 2005, significou, na verdade, um dano às finanças do País, como a gente vai comentar em seguida. O resgate antecipado dos títulos brades (?), em 2006, idem. Em 2001, foi anunciado um erro, num montante de 32,7 bilhões de dólares. Só o anúncio desse erro já seria justificativa para abrirmos uma auditoria da dívida no nosso País.

Em 2007, o governo procedeu o resgate do título da dívida externa. O próprio governo resgatou a dívida externa pagando ágio, pagando 30% de ágio no mercado secundário. Porque investimento em título da dívida brasileira virou um negócio tão bom que os títulos brasileiros estão sendo negociados com ágio, no mercado secundário. O próprio governo foi lá e comprou, com 30% de ágio. Pode passar.

Alguns dados. Por exemplo: com relação ao resgate antecipado da dívida com o FMI. Nós temos um artigo publicado, na nossa página, que se chama “Contradição inexplicável”. Por quê? O governo naquela época, finalzinho de 2005, antecipou a dívida 15 e meio bilhões de dólares com o FMI. O custo financeiro dessa dívida com o FMI era de cerca de 4% ao ano. E o que o governo fez, para pagar essa dívida? Contraiu dívida interna que, na época, o custo era de 19,13% ao ano.

Quer dizer, qual é o sentido lógico de você trocar uma dívida que custava 4, por uma que passou a custar 19? Qual é o sentido lógico disso? Nós só sabemos que o governo perdeu com isso. Quem ganhou? Isso também tem que ser investigado, porque significa um dano ao erário. Pode passar.

Eu vou tentar acelerar. Algumas ilegalidades também precisam ser investigadas pela OAB

Eu queria ressaltar, aqui, a Cláusula de Ação Coletiva, cláusulas contratuais ilegítimas, ato unilateral dos juros pelos Estados Unidos e manipulação do risco-País. Pode passar.

Com relação à Cláusula de Ação Coletiva, ela foi introduzida nos títulos da dívida externa brasileira a partir de 2003. Significa entrega da soberania, porque elege o foro de Nova York, com as leis de Nova York, para dirimir quaisquer conflitos, quaisquer controvérsias relacionadas ao endividamento externo. Concentra poder nas mãos dos detentores de até 75% dos títulos, ou seja, qualquer modificação nos termos do endividamento tem que passar pelo rol de credores que detêm 75% dos títulos da dívida. Inclusive qualquer proposta de renegociação.

E esse processo de antecipação de pagamento de dívida, de troca de dívida velha por dívida nova, ele tem significado exatamente uma troca de dívida antiga, que não tinha essa cláusula, por dívida nova, com esta cláusula, que é uma renúncia à soberania do País. Pode passar.

Vou pular algumas telas. Essa aí fala da análise das Resoluções do Senado Federal. Nós tivemos acesso aos contratos de dívida externa que estavam arquivados no Senado. E é preciso observar que só foram localizados 29% dos contratos, ou seja, 70% não foram localizados nos arquivos do Senado. Pode passar, por favor.

Esse outro quadro trata da espoliação do risco-País, que é um outro tema que merece um estudo jurídico. O risco-País funciona como um acréscimo aos juros, significando o risco de o País não honrar a sua dívida. Ocorre que nós estamos honrando a nossa dívida, inclusive pagando antecipado, estamos pagando os maiores juros do mundo, estamos comprando a nossa dívida com ágio. Onde está o risco?

No entanto, esse risco que nos foi imposto vem sendo pago seguidamente, sem sequer uma tentativa de renegociação desse valor. Quer dizer, é um risco que não se implementou. Nós estamos pagando por uma imposição que representou um ônus financeiro para o País, e esse risco jamais se implementou. Nossos títulos estão, inclusive, com ágio, no mercado. Então, é um contra-senso esse risco. Nós demandamos um estudo jurídico sobre esse tema. Pode passar.

Já ocorreu uma tentativa de realizar a auditoria da dívida, que foi a Comissão de 89, quando o Senador Severo Gomes fez um estudo, principalmente sobre as cláusulas de renúncia a alegação de nulidade e renúncia à alegação de soberania. Pode pular as próximas telas. Pode passar. Essas telas que eu pulei tratavam dessa Comissão de 89, que eu não vou abordar aqui, porque eu já tomei muito tempo e eu quero ouvir as outras pessoas.

Eu só queria concluir dizendo que essa dívida representa uma violência aos direitos humanos em nosso País. Se não enfrentarmos o problema do endividamento, eu vi que acabou de ser aprovada a publicação sobre direitos humanos, eu queria pedir que, junto com essa publicação coloquem um capítulo sobre o tema do endividamento. Porque se não focarmos este problema, não haverá recursos para enfrentarmos o desrespeito aos direitos humanos no nosso País, e vários outros problemas.

Eu queria pedir para colocar na última tela, onde eu falo das propostas para a OAB. Pode ir pulando até chegar na tela das propostas. Eu ia fazer mais uma exposição, aqui, sobre a luta da auditoria, mas tudo isso está na cartilha. Aí.

Eu quero reconhecer o apoio que a OAB já tem dado, para a luta da Auditoria Cidadã, nos emprestando inclusive uma sala para funcionar, no prédio do Conselho Federal. E faço, aqui, algumas propostas: que a Comissão dedicada ao tema do endividamento, que foi formada aqui neste Plenário, que será presidida pelo Doutor Aristóteles Atheniense, promova estudos aprofundando todos esses aspectos que nós abordamos aqui, hoje, envolvendo o controle do endividamento e as atribuições que não estão sendo observadas, envolvendo os danos às finanças do País e as ilegalidades, principalmente a Cláusula caque (?).

Proponho, também, apoio do Conselho Federal, apoio jurídico à auditoria da dívida equatoriana. E, também, um apelo para uma preparação para a possível CPI da dívida na Câmara dos Deputados.

Essas são as propostas que eu queria deixar aqui, para esse Plenário, agradecendo imensamente essa oportunidade de estar aqui. E parabenizando pela iniciativa.

Muito obrigada.”

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